Durante a cozedura dos alimentos ocorrem diversos processos físico-químicos que transformam profundamente a estrutura, composição e propriedades dos ingredientes. Estes fenómenos explicam alterações de textura, sabor, aroma, cor e valor nutricional dos alimentos. Abaixo estão os principais processos, descritos em português europeu e com linguagem acessível, mas cientificamente correta:
1. Desnaturação de proteínas
Durante a cozedura, as proteínas desnaturam-se, ou seja, perdem a sua estrutura tridimensional original devido à aplicação de calor.
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Exemplo: A clara do ovo passa de transparente a branca e sólida.
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Este processo é irreversível e fundamental na transformação da textura de carnes, ovos e peixes.
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As proteínas, ao desnaturarem, podem coagular, formando novas ligações que alteram a consistência.
2. Gelatinização do amido
Nos alimentos ricos em amido (como arroz, batatas, massas ou farinhas), a aplicação de calor na presença de água provoca a gelatinização:
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Os grânulos de amido absorvem água, incham e libertam moléculas de amilose e amilopectina.
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Isso resulta numa textura mais macia e espessa, essencial em molhos, cremes, purés e massas cozidas.
3. Reacção de Maillard
Esta é uma das reações mais complexas e importantes na cozedura:
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Acontece entre açúcares redutores e aminoácidos a temperaturas acima de 120 °C, principalmente em meios secos.
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Produz compostos de cor acastanhada, aromas e sabores intensos.
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Exemplo: A crosta dourada do pão, o escurecimento da carne grelhada ou assada.
É essencial em panificação, assados, grelhados e frituras.
4. Caramelização
Quando os açúcares são sujeitos a altas temperaturas (geralmente acima de 160 °C), sofrem decomposição térmica, formando compostos com cor escura e sabor típico:
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Processo sem necessidade de proteínas, ao contrário da reação de Maillard.
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Exemplo: Caramelo líquido, crosta do crème brûlée ou do leite condensado cozido.
5. Coagulação de proteínas
A coagulação é uma consequência da desnaturação. As proteínas, ao perderem a sua forma original, formam redes sólidas ao aquecer.
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Essencial na confeção de ovos, queijos frescos, pudins ou carnes.
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A temperatura exata de coagulação varia: a albumina do ovo começa a coagular a cerca de 62 °C.
6. Evaporação e concentração
Durante a cozedura, especialmente em métodos abertos como grelhar, assar ou saltear, dá-se perda de água por evaporação:
7. Solubilização de colagénio (em carnes)
O colagénio, proteína presente nos tecidos conjuntivos das carnes, transforma-se em gelatina com cozedura lenta e prolongada (abaixo dos 90–95 °C):
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Este processo suaviza cortes de carne mais rijos.
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Essencial em pratos como cozido à portuguesa, estufados ou caldos de ossos.
8. Libertação e volatilização de compostos aromáticos
Com o calor, muitos compostos voláteis (óleos essenciais, ácidos, aldeídos) são libertados, intensificando os aromas e sabores dos alimentos.
9. Alterações de cor (clorofila, antocianinas, carotenos)
A cor dos vegetais pode mudar com o calor devido a transformações químicas nos pigmentos naturais:
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A clorofila (verde) pode tornar-se verde-acastanhada em meios ácidos.
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As antocianinas (vermelhas/roxas) podem tornar-se azuis ou esverdeadas, dependendo do pH.
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Os carotenos (laranja/amarelo) são mais estáveis, mas também se degradam com calor excessivo.
10. Perda ou transformação de nutrientes
A cozedura pode causar:
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Destruição parcial de vitaminas sensíveis ao calor, como a vitamina C e algumas do complexo B.
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Melhoria da biodisponibilidade de certos compostos (ex: licopeno no tomate).
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Inativação de anti-nutrientes, como a lectina presente em leguminosas cruas.
11. Reações de hidrólise
Durante cozeduras prolongadas, como em caldos ou guisados, ocorre hidrólise enzimática ou térmica de proteínas, lípidos e hidratos de carbono:
Conclusão
A cozedura de alimentos é muito mais do que um ato culinário: é um processo químico e físico complexo. Conhecer estes mecanismos permite cozinhar de forma mais consciente, eficiente e criativa — otimizando sabor, textura, valor nutricional e segurança alimentar.