O Contente

Chamava-se simplesmente Contente. Não era nome de batismo, nem alcunha de infância — era estado de alma. Desses raros, que não se encontram à venda nem em receitas de autoajuda.

Na aldeia, diziam que ele via a vida com olhos lavados. Que ria com facilidade e chorava como quem rega flores. Nunca se metia em confusões, nunca correu atrás da pressa. Levava a vida como quem saboreia um pêssego maduro: devagar, com sumo e com prazer.

Nesse dia, o Contente levou a filha ao parque — que era mais um campo com árvores do que um parque com brinquedos. Escolheu uma tília antiga, frondosa e mansa, e sentou-se com ela debaixo da sombra. As mãos entrelaçaram-se sem esforço, como se fossem continuação uma da outra.

Nada se mexia. Nem as folhas, nem os pássaros, nem o tempo. Até o vento pareceu pedir licença para passar.

E ali ficaram. Sem dizer palavra. Mas com um entendimento tão profundo que a própria terra ficou em silêncio para ouvir.

— Estás bem, pai? — perguntou ela, depois de um longo instante.

— Estou, filha. Estou contente.

E ela sorriu. Porque sabia que aquilo era mais do que uma resposta — era uma confissão. Uma oração sem santo, uma paz sem fim.

O coração dele batia tão calmo que mal se sentia. Como se, naquele momento, o corpo se tornasse supérfluo e só a alma estivesse sentada debaixo da tília.

Podiam ter falado de tantas coisas: da escola dela, do tempo dele, do mundo e das suas barulhentas urgências. Mas nada disso importava.

Porque o essencial já estava dito: estavam juntos. E isso bastava.

Não queriam nada mais. Nenhuma ambição os agitava. Nenhum sonho os separava. Era como se, por um raro milagre da existência, tudo estivesse no sítio certo.

Ela apertou-lhe a mão.

Ele beijou-lhe a testa.

E nesse gesto, disseram tudo.

Uma senhora que passava com um cão olhou-os de lado e murmurou: “Parecem estátuas.”
Não eram. Eram árvores. Enraizadas um no outro, de copas entrelaçadas e folhas feitas de memórias.

Ali, debaixo daquela tília, o Contente percebeu que a felicidade não faz barulho. Que a plenitude não precisa de palavras. E que há momentos em que nada falta — nem o futuro, nem o passado, nem sequer o agora.

Apenas o presente. Presente como dádiva.

Chamava-se Contente. E, naquele dia, foi exatamente isso.

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