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UMA VIAGEM À VERDADE DO PRATO: ALIMENTAÇÃO, ORDEM E A FILOSOFIA DA VIDA DIÁRIA

Introdução: A Refeição como Espelho da Civilização

Este é o registo de uma viagem de descoberta, uma travessia silenciosa pelos trilhos menos explorados do pensamento cotidiano. Um percurso que não começa com um mapa, mas com uma intuição visceral: há grandes verdades escondidas naquilo que fazemos todos os dias — especialmente quando não gastamos muitas palavras com isso.

Este livro não fala sobre receitas ou tendências gastronómicas. Fala sobre a comida como força simbólica, política e filosófica. Fala sobre a forma como comemos nas terras da abundância, sobre os padrões invisíveis que definem comportamentos, género, corpo e sociedade. Fala sobre a luxúria masculina e a fome feminina, sobre aquilo que se permite desejar... e o que se aprende a silenciar no prato.

Silêncio e Surpresa: Quando Comer é Pensar

Quando anunciei aos meus colegas da área que queria escrever sobre comida como uma forma de ordem e filosofia quotidiana, muitos ficaram sem palavras. A reação não foi de desdém, mas de surpresa — como se eu tivesse tocado num tema ao mesmo tempo óbvio e esquecido.

Porque acredito profundamente que a ordem no prato, o regime do corpo e a ordem social estão intrinsecamente ligados. Comer é um ato cultural, político e espiritual. Não é apenas sustento, é sistema. Não é apenas biologia, é escolha. E, portanto, é reflexo e construção daquilo que somos.

Dois Homens, Duas Visões: Kellogg e Bircher-Benner

Para pensar esta ideia, olho para dois nomes históricos cujas obras moldaram silenciosamente o nosso presente: John Harvey Kellogg (1852–1943), médico norte-americano e inventor do floco de milho, e Maximilian Oskar Bircher-Benner (1867–1939), o “médico radical” de Zurique — como Thomas Mann lhe chamou.

Kellogg é, em parte, símbolo da alimentação industrial e das dietas vegetarianas higienistas que visavam domesticar os instintos humanos. Bircher-Benner, por sua vez, representa a corrente holística, crua e natural, que vê os alimentos não apenas como nutrientes, mas como força vital e medicinal.

Ambos partilham um traço profundo: o conceito de uma fisiologia moral. A crença de que aquilo que entra no corpo molda não apenas a carne, mas também o espírito, a conduta, o pensamento. Ambos tentaram subverter a ordem simbólica da sociedade industrial — questionando excessos, rituais e alienações modernas.

Comida, Género e a Razão Feminina

É curioso observar que, mesmo sendo patriarcas científicos de pleno direito, ambos promoveram — talvez sem o saberem — uma feminização do discurso alimentar. Ao chamarem para o centro da dieta o cuidado, a suavidade, a natureza e a disciplina, abriram espaço para o princípio feminino da razão. Um princípio menos violento, menos competitivo, mais ligado à sabedoria intuitiva e ao respeito pelo corpo.

Neste sentido, a comida tornou-se também palco de disputas de género e de valores: o prato deixou de ser apenas espaço de nutrição para se transformar num território ético e estético.

Bircher-Benner: O Médico do Muesli e da Consciência Alimentar

Bircher-Benner, médico suíço, foi muito mais do que o “inventor” do famoso muesli Bircher — aquela mistura de maçã ralada, flocos de aveia, leite condensado e sumo de limão que atravessou fronteiras. Ele foi um visionário da medicina integral, defensor da alimentação viva, da ligação entre corpo e cosmos, entre digestão e caráter.

Passou a vida a refletir sobre o poder organizador dos alimentos, defendendo que cada refeição deve ser simples, pura e próxima da natureza. O seu conceito de “prato dietético” fez história e moldou silenciosamente um estilo de vida que, décadas depois, seria reconhecido como pós-moderno, consciente e funcional.

Bircher não era apenas um nutricionista. Era um filósofo da mesa, um estratega da saúde, um poeta do prato. A sua obra, marginal durante anos, hoje é vista como uma das contribuições mais importantes da Suíça para a cultura alimentar mundial.

Reflexão Final: Comer é Pensar, Sentir e Escolher

Nenhuma jornada está isenta de surpresas ou reviravoltas. E esta viagem — por entre flocos de milho, maçãs raladas e ideologias alimentares — revela que a comida é uma linguagem profunda, um gesto de compromisso e identidade.

Hoje, mais do que nunca, comemos com pressa. Comemos em silêncio. Comemos sem saber o que realmente queremos. E é precisamente por isso que este livro existe — para lembrar que cada colherada é uma escolha, uma história, uma afirmação de valores.

A comida não é neutra. Ela pode ser regulação ou libertação, excesso ou equilíbrio, alienação ou cuidado. O prato é um palco — e nós, seus comensais, somos os atores e autores da nossa própria digestão emocional e cultural.

A Filosofia do Prato

No fundo, esta viagem não é sobre nutrição. É sobre vida organizada, pensada e sentida através do alimento. É sobre aprender a reconhecer os padrões que habitam a nossa fome e a nossa saciedade. É sobre entender que comer é, antes de mais, um gesto de ligação — connosco, com os outros, com o mundo.

Porque no prato está a ordem, está o instinto, está a verdade. Está o que fomos e aquilo que queremos ser.

E essa descoberta... começa sempre à mesa.
by LeChef 2018, myfoodstreet.ch
 
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4. A TEORIA DOS PRODUTOS        
13. AS ENTRADAS, ACEPIPES         
24. A COZINHA FRIA         
25. SOBRE SOBREMESAS          

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