Cerefólio — a erva da alegria esquecida
Um nome que carrega promessas
O cerefólio (Anthriscus cerefolium), segundo o seu nome grego chairephyllon, significa literalmente “a erva da alegria”. E não é de estranhar: com o seu sabor delicado, levemente adocicado e próximo do anis, esta erva sempre foi associada ao bem-estar e ao prazer de viver.
Originário do sudoeste da Turquia e da Ásia Ocidental, chegou cedo ao Mediterrâneo através da Ásia Menor, bem antes do início da era cristã. Os gregos utilizavam-no como especiaria, enquanto os romanos o preparavam também como legume, consumindo-o de forma mais generosa.
Entre espécies e confusões botânicas
Na Antiguidade, o nome cerefólio podia designar duas plantas distintas:
-
o cerefólio verdadeiro (Anthriscus cerefolium), aquele que conhecemos hoje, uma erva anual de folhas finas e aromáticas,
-
e o chamado cerefólio-de-anis ou cerefólio-de-mirra (Myrrhis odorata), conhecido também como doce cicélia, igualmente uma umbelífera plumosa, mas distinta na sua intensidade aromática.
Esta confusão entre plantas era comum no mundo clássico, onde o conhecimento botânico ainda não distinguia claramente espécies semelhantes. Não deve, no entanto, ser confundido com a mirra, resina obtida da árvore-bálsamo, usada em rituais e perfumes.
Do império romano à cozinha francesa
Desde os tempos romanos que o cerefólio encontrou lugar à mesa. Era cultivado nos hortos medicinais e nas cozinhas, e acabou por se tornar parte integrante da tradição culinária francesa.
Na França medieval e renascentista, o cerefólio era presença obrigatória nos mosteiros, tanto como planta culinária como medicinal. Acreditava-se que trazia alegria, frescura e longevidade, e ainda hoje, na fitoterapia, é apontado como uma erva que estimula a digestão e ajuda na circulação.
Mais tarde, o cerefólio tornou-se um dos elementos da famosa combinação francesa das “fines herbes” (juntamente com estragão, salsa e cebolinho), indispensável para molhos, omeletes, saladas e sopas leves.
Portugal e a tradição esquecida
Em Portugal, o cerefólio nunca ganhou o protagonismo que atingiu em França. Aqui, a salsa e o coentro ocuparam o lugar de ervas aromáticas preferidas, adaptando-se melhor ao paladar e à identidade gastronómica local. Ainda assim, em hortas tradicionais e boticas conventuais, o cerefólio foi cultivado sobretudo como erva medicinal, valorizado pelas suas propriedades diuréticas, depurativas e calmantes.
Hoje, começa a reaparecer timidamente em hortas biológicas, mercados especializados e cozinhas de autor, como uma erva de nicho que recupera o charme perdido.
Sabor delicado e usos culinários
O cerefólio distingue-se pelo sabor subtil, entre o anis e a salsa, e pelas folhas rendilhadas que se assemelham a pequenas samambaias. É uma erva que pede delicadeza no uso: deve ser sempre adicionada no final da cozedura para não perder o seu aroma.
Algumas utilizações clássicas:
-
Em sopas primaveris, como a sopa de cerefólio típica da Bélgica.
-
Em omeletes francesas, onde compõe as “fines herbes”.
-
Em saladas frescas, combinando bem com tomate, pepino e ovos.
-
No tempero de peixes brancos e aves leves, como frango e peru.
-
Em molhos suaves, como o béarnaise, para realçar a frescura.
Uma erva para redescobrir
O cerefólio é, em muitos sentidos, uma erva esquecida. Viveu no esplendor das cozinhas monásticas e da grande tradição culinária francesa, mas foi ficando na sombra de aromáticas mais robustas, como o manjericão, o coentro ou o estragão.
No entanto, há algo de poético e simbólico em recuperar esta “erva da alegria”: talvez seja um lembrete de que a gastronomia não é apenas feita de sabores intensos, mas também de notas subtis, de detalhes quase invisíveis, que completam um prato sem nunca se impor.
Epílogo — a leveza do sabor e da memória
Na era dos temperos fortes e das cozinhas globalizadas, o cerefólio parece querer sussurrar em vez de gritar. É uma erva que convida à reflexão, à delicadeza e à atenção aos detalhes.
E talvez seja exatamente essa a sua mensagem: que a verdadeira alegria, aquela de que falavam os antigos ao lhe dar o nome de chairephyllon, está muitas vezes no que é simples, discreto e quase esquecido — mas profundamente essencial.