Coentros: A Erva Que Divide, Conquista e Enraíza Sabores
Poucas ervas aromáticas despertam emoções tão fortes como os coentros. Amados por muitos, rejeitados por outros, os coentros são intensos, vibrantes e inconfundíveis. Em Portugal, são presença firme na gastronomia do sul, especialmente no Alentejo e Algarve, onde perfumam açordas, ensopados e caldeiradas. Mas o seu percurso é milenar e a sua influência atravessa continentes, culturas e séculos.
Uma História de Longo Alcance
Os coentros (Coriandrum sativum) são originários da bacia do Mediterrâneo Oriental e do Médio Oriente, tendo sido usados desde tempos pré-históricos. Referências à planta surgem em textos sânscritos com mais de três mil anos, e sementes de coentro foram encontradas em túmulos egípcios, ao lado de ouro e cerâmica — um sinal do seu valor.
Gregos e romanos usavam tanto as folhas como as sementes, fosse na medicina, perfumaria ou cozinha. Com a expansão árabe e as trocas comerciais entre Oriente e Ocidente, os coentros espalharam-se por toda a Europa e chegaram a regiões distantes como a Índia e a América Latina, onde se tornaram também protagonistas de sabores intensos.
O Papel dos Coentros na Cozinha Portuguesa
Em Portugal, os coentros frescos ganharam terreno sobretudo a sul. Ao contrário da maior parte da Europa, onde se usa preferencialmente a semente seca, por cá é a folha que reina. O sabor fresco, cítrico e ligeiramente apimentado transforma pratos simples em composições vibrantes.
Na cozinha alentejana e algarvia, os coentros não são um detalhe — são muitas vezes o centro do prato. Na sopa, no peixe, no pão, no molho — os coentros não servem apenas para decorar: aromatizam, equilibram, realçam. E a verdade é que, uma vez habituado ao seu sabor, torna-se difícil cozinhar sem eles.
Receitas com Coentros
Os coentros mostram toda a sua riqueza quando usados com inteligência e respeito pela sua intensidade. Aqui ficam três receitas em que brilham com naturalidade.
1. Açorda Alentejana com Coentros
Ingredientes:
Preparação:
Esmague os alhos com sal e junte os coentros picados num almofariz até formar uma pasta. Leve a água ao lume com a pasta, deixe levantar fervura e adicione os ovos um a um para escalfar. Num prato fundo, coloque fatias finas de pão e verta por cima o caldo com os ovos. O perfume dos coentros eleva esta sopa humilde a uma experiência intensa e profundamente identitária.
2. Amêijoas à Bulhão Pato
Ingredientes:
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1 kg de amêijoas frescas
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4 dentes de alho
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Azeite q.b.
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1 molho de coentros
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Sumo de limão a gosto
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Sal e pimenta
Preparação:
Refogue os alhos em azeite até alourarem. Junte as amêijoas e cozinhe em lume forte até abrirem. No final, adicione os coentros picados e sumo de limão. Sirva de imediato com pão rústico. Esta receita é um clássico do verão português, em que os coentros conferem frescura e carácter ao sabor salgado do mar.
3. Molho de Coentros para Peixe Grelhado
Ingredientes:
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1 molho de coentros frescos
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1 dente de alho
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1 colher de chá de vinagre de vinho branco
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4 colheres de sopa de azeite
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Sal q.b.
Preparação:
Triture os coentros com o alho, o vinagre e o azeite até obter um molho verde e homogéneo. Ajuste o sal. Este molho é ideal para acompanhar peixe grelhado, batatas cozidas ou até como tempero de saladas. Os coentros aqui surgem no seu estado mais puro — verdes, vivos e dominantes.
A Dualidade dos Coentros
Há quem os adore, há quem não os tolere. O fenómeno é, em parte, genético: certos compostos presentes nos coentros são percebidos por algumas pessoas como tendo sabor a sabão. Mas além da biologia, há também uma questão de hábito. Nos locais onde se cresce com coentros, a ligação é emocional e quase visceral.
E não há mal nenhum nisso. A cozinha é feita de afectos, e o gosto por uma erva tão marcante como o coentro desenvolve-se com o tempo, com pratos partilhados, com histórias contadas à volta da mesa.
Cultivar Coentros em Casa
Os coentros são relativamente fáceis de cultivar. Preferem solos férteis, sol moderado e regas regulares. Ao contrário de outras ervas, os coentros crescem rapidamente e têm um ciclo curto — é comum vê-los florir e dar semente poucas semanas após a sementeira.
Aproveita-se tudo: folhas, caules, flores e sementes. Cada parte oferece um tipo de aroma e pode ser usada em momentos distintos da preparação culinária.
Coentros: Entre o Instinto e a Memória
Usar coentros é mais do que cozinhar — é um gesto cultural. É evocar uma tradição oral e sensorial que atravessa séculos. É respeitar o lugar de onde vêm os sabores e deixar que o prato fale da terra, do tempo, das mãos que o prepararam.
Os coentros não são apenas uma erva. São uma declaração de intenção. De quem cozinha com convicção. De quem entende que o sabor não deve ser tímido, mas verdadeiro. E, acima de tudo, de quem sabe que na cozinha, como na vida, há coisas que não se explicam — apenas se saboreiam.