Funcho: O Perfume Esquecido da Terra
Uma planta, mil memórias
Há sabores que marcam a infância.
Outros que nos surpreendem na vida adulta.
E depois há o funcho, que faz as duas coisas.
Delicado e selvagem, doce e medicinal, vegetal e especiaria — o funcho é tudo isto e mais.
É aroma de campo depois da chuva. É chá quente numa tarde de inverno.
É crocante e fresco em saladas de verão.
E, no entanto, apesar da sua versatilidade e ancestralidade, é muitas vezes subestimado nas cozinhas modernas.
Raízes antigas, usos eternos
O funcho (Foeniculum vulgare) é uma planta herbácea da família das apiáceas, a mesma do aipo e da salsa.
Originário da região mediterrânica, é uma daquelas plantas que crescem espontaneamente nos caminhos rurais, nos muros, nas margens dos campos — e também nos livros de história.
Os egípcios e os gregos já o conheciam pelas suas propriedades medicinais.
Os romanos usavam-no como digestivo e afrodisíaco.
Na Idade Média, acreditava-se que afastava maus espíritos.
E no sul de Portugal, ainda hoje, usa-se “erva-doce” (sementes de funcho) para adoçar o pão, os bolos, os sonhos.
É impressionante como uma planta tão simples atravessou os séculos sem perder o seu valor.
Três rostos, um só aroma
O funcho é uma planta completa — aproveita-se tudo:
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O bolbo, carnudo e esbranquiçado, com textura crocante e sabor adocicado, entre o anis e o aipo;
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As folhas finas e aromáticas, semelhantes às do endro, ideais para decorar e perfumar pratos;
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As sementes, pequenas, ovais e verdes ou castanhas, com aroma intenso a anis, usadas em chás, pães, doces e misturas de especiarias.
Cada parte do funcho tem o seu uso.
Cada uma conta uma história diferente.
Mas todas partilham o mesmo perfume inconfundível — doce, fresco, profundamente reconfortante.
Na cozinha: entre o campo e a elegância
O bolbo: fresco e versátil
Cru, em saladas, o bolbo de funcho acrescenta crocância e leveza, com um sabor refrescante.
Com laranja, cebola roxa e hortelã, transforma-se numa entrada mediterrânica por excelência.
Assado no forno com azeite e ervas, adoça-se ainda mais, libertando notas profundas e caramelizadas.
Refogado ou cozido, acompanha peixes e carnes com subtileza e carácter.
As folhas: perfume de final de prato
As folhas de funcho devem ser usadas com delicadeza. Polvilhadas sobre sopas, grelhados, ovos escalfados, conferem um toque visual e aromático de frescura.
São também uma alternativa surpreendente ao endro, especialmente em pratos de salmão ou batatas.
As sementes: o ouro aromático
As sementes são provavelmente a forma mais usada e tradicional do funcho.
Em Portugal, dão sabor aos bolos de festa e ao pão doce de certas regiões.
Podem ser levemente tostadas e adicionadas a caris, guisados, arroz ou até infusões calmantes.
Uma infusão de sementes de funcho depois das refeições ajuda na digestão, alivia gases e acalma o estômago.
Um alimento e um remédio
Desde sempre, o funcho foi considerado uma planta medicinal.
Hipócrates, o pai da medicina, já o recomendava.
Hoje, a ciência confirma muitas das suas propriedades tradicionais:
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Ajuda na digestão e no alívio de cólicas (especialmente em bebés e crianças);
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É carminativo, ou seja, ajuda a reduzir a formação de gases intestinais;
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Tem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias;
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Pode estimular a produção de leite materno, sendo por isso recomendado (com moderação) em infusões para lactantes.
É também rico em fibras, vitamina C, potássio e compostos fenólicos.
Ou seja, o funcho não é apenas sabor — é cuidado.
Receitas que celebram o funcho
Salada de Funcho, Laranja e Azeitonas Pretas
Fatiar finamente o bolbo de funcho e misturá-lo com gomos de laranja, azeitonas pretas descaroçadas, cebola roxa em rodelas finas e um fio de azeite virgem extra.
Finalizar com folhas de funcho e um toque de flor de sal.
Fresca, aromática, leve e surpreendente.
Funcho Assado com Parmesão
Cortar o funcho em quartos, regar com azeite, salpicar com tomilho e assar até dourar.
Nos últimos minutos, polvilhar com parmesão ralado e deixar gratinar.
Um acompanhamento elegante para carnes brancas ou peixe grelhado.
Infusão de Sementes de Funcho
Num bule com água quente (não a ferver), colocar uma colher de chá de sementes de funcho levemente esmagadas.
Deixar em infusão 5-10 minutos.
Ideal após as refeições ou antes de dormir.
Simples, doce, reconfortante.
Redescobrir o essencial
O funcho não é moda.
Não é exótico.
Não é raro.
É uma planta da terra. Da memória. Da tradição.
E talvez por isso mesmo, por estar tão perto de nós, seja tantas vezes esquecida.
Mas há uma beleza serena no seu sabor. Uma calma no seu aroma.
É como voltar a casa depois de muito tempo fora.
Um perfume para levar connosco
Num tempo em que os sabores são muitas vezes mascarados, o funcho oferece transparência e autenticidade.
Na sua doçura há campo.
Na sua textura há natureza.
No seu aroma há memória.
Cozinhar com funcho é um acto de redescoberta.
É saborear o que é simples — e perceber que, no fundo, é no simples que reside o extraordinário.