Outro Dia… Noutro Lugar Um instante fora do tempo Outro dia… noutro lugar. Nem sempre conseguimos dizer quando nem onde, mas sabemos que aconteceu. Às vezes, o corpo está aqui, mas a alma — essa — parte. Vai. Desaparece por uns minutos. Ou horas. Ou dias inteiros. Aconteceu-me. Não me lembro da data, nem preciso. Lembro-me da sensação. Do silêncio à volta. Da luz diferente. Do cheiro a tudo e a nada. Não foi sonho nem delírio — foi um instante em que tudo pareceu parar. Um intervalo entre o antes e o depois. Outro dia… noutro lugar. Um intervalo que guardo como quem guarda uma carta antiga: amarrotada, sim, mas com tinta que ainda sabe doer. Fugir sem sair do lugar Às vezes, basta pouco para nos levar: um cheiro, um nome, um som distante. E, de repente, já não estamos aqui. Estamos lá. Num dia que não volta, num lugar que nunca mais será igual. Há quem lhe chame nostalgia. Outros dizem que é fuga. Eu digo que é preservação. Porque há dias que queremos guardar só para nós, longe do ruído do mundo, da opinião dos outros, da pressa do presente. Fugir também é forma de resistir. E resistir, tantas vezes, é o que nos salva. O lugar não importa — ou talvez importe demasiado Não vale a pena dizer onde foi. Até porque o lugar, às vezes, é apenas uma desculpa. Pode ter sido à beira-mar, numa estrada sem saída, num quarto de hotel ou mesmo na sala de sempre. O que importa é o que aquele lugar se tornou por dentro. Transformou-se em abrigo, em refúgio, em cenário de tudo aquilo que precisava de sentir. Um lugar onde pude parar sem pedir licença. Onde ninguém me exigiu respostas. Onde não era preciso fazer sentido — bastava existir. Talvez seja esse o verdadeiro lugar: aquele onde podemos ser inteiros, mesmo partidos. As conversas que não aconteceram Noutro lugar, naquele outro dia, falei com pessoas que já não vejo. Algumas, ainda por cá. Outras, já do outro lado de qualquer coisa que não compreendo bem. Foram conversas imaginadas, mas sentidas. Palavras ditas sem voz. Verdades que nunca se tiveram coragem de dizer. Falei comigo também. E talvez essa tenha sido a conversa mais difícil. Não há escapatória quando estamos frente a frente com o nosso reflexo interior. Aquele que não se penteia, nem finge estar bem. Perguntei-me coisas que evito no dia-a-dia. Respondi como pude. Às vezes com silêncio. Outras, com lágrimas. E, em alguns momentos, com um leve sorriso de aceitação. Porque nem tudo precisa de conserto — há coisas que só pedem reconhecimento. Voltar custa sempre mais do que partir O pior não é ir. É voltar. Sair do “noutro lugar” e regressar ao agora. Voltar à rotina, aos relógios, aos compromissos, aos e-mails que não sentem. Leva tempo. Nem sempre se regressa por completo. Fica-se por lá, um pouco. Sempre. Às vezes, dou por mim em silêncio, no meio de uma conversa. Ou a olhar para um ponto fixo, enquanto todos se movem. É o corpo presente, mas a alma… ainda a caminho. Talvez não haja problema nenhum nisso. Talvez viver também seja saber ir e vir de dentro de nós. E se fosse tudo só um escape? Há quem diga que isto são só escapismos. Que a vida real é aqui, agora, com contas para pagar e prazos para cumprir. E aceito. Mas recuso viver só assim. Porque há dias que nos salvam de nós próprios. Dias que não acontecem no calendário. Acontecem na pele, na memória, nos sonhos que ainda resistem. Outro dia… noutro lugar… talvez tenha sido só um sussurro daquilo que ainda preciso descobrir. Ou então, foi apenas uma pausa. Uma nesga de céu aberta no meio da tempestade. Seja o que for… valeu a pena. Conclusão: E tu, já foste a esse lugar? Se ainda não foste, vais. E quando fores, não forces o regresso. Fica o tempo que precisares. Pergunta o que tiveres de perguntar. Cala o que não precisa de resposta. Sente. E se voltares mais leve, ou mais confuso, ou mais inteiro… então esse outro dia, naquele outro lugar, cumpriu o seu papel. Porque às vezes, não é preciso mudar de vida. Basta parar para a ouvir.
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global