Nutrição, Genero e Cultura Nutrição, Género e Cultura: Comer Menos Não É Comer Melhor Um olhar emocional e crítico sobre os hábitos alimentares femininos e a evolução da dieta ocidental no século XX. As mulheres comem menos. Mas porquê? Nos últimos anos, diversas tentativas foram feitas para medir sistematicamente os padrões alimentares entre géneros. E a conclusão começa a tornar-se clara: As mulheres, como grupo, continuam a comer significativamente menos do que os homens. A ingestão média diária estimada ronda entre 1.500 e 1.600 calorias, o que — surpreendentemente — é inferior à ingestão recomendada para raparigas até aos 18 anos. Este dado levanta não apenas uma bandeira nutricional, mas também uma questão social mais profunda: será que comer pouco é apenas uma escolha... ou uma imposição silenciosa? Menos comida, menos risco — ou mais pressão? O risco de deficiências nutricionais entre as mulheres parece, à primeira vista, estatisticamente menor. Mas esta leitura técnica ignora as motivações invisíveis. Será que muitas mulheres, ao tentarem conformar-se ao ideal de magreza e beleza, adotam padrões alimentares mínimos como forma de pertença social? Estudos de consumo americanos indicam que a tendência de comer menos pouco mudou ao longo das gerações. Na Europa, investigações transversais entre mulheres com cerca de 60 anos em novas cidades confirmam o mesmo cenário: As mulheres europeias consomem cerca de 25% menos calorias do que os homens. Qualidade vs. Quantidade: uma dieta mais densa — mas ainda insuficiente Por um lado, há boas notícias. Em média, as mulheres mais velhas têm uma dieta com maior densidade nutricional. Consomem:
-
Mais fruta e cereais
-
Mais arroz, iogurte, aves e ovos
-
Mais leite e queijo
-
Menos massa, açúcar, álcool e refrigerantes
Ou seja, mesmo ingerindo menos, o valor nutricional por porção é mais alto. No entanto, muitas mulheres ainda não atingem os níveis mínimos recomendados de vitaminas e minerais essenciais ao desenvolvimento e manutenção da saúde. Comer com mais consciência é positivo — mas comer pouco demais continua a ser um risco invisível. Bircher-Benner, Graham e Kellogg: os reformadores nutricionais esquecidos O consumo de proteínas manteve-se estável. Contudo, os cereais — que Graham e Kellogg tanto elogiaram como base de uma dieta saudável — perderam protagonismo após 1909, especialmente nos Estados Unidos. Por outro lado, o peixe, considerado prejudicial por alguns dos primeiros reformadores, foi ganhando terreno, atingindo 100 kg per capita por ano na década de 1970. O pão, símbolo da nutrição básica de outrora, cedeu lugar ao bife e ao hambúrguer — agora protagonistas da mesa americana. A religião do bife: o culto da carne vermelha Para os homens, a carne vermelha tornou-se um símbolo de poder, abundância e masculinidade. O que antes era raro, hoje é desejado. O que antes era comum — como os vegetais — é evitado, desvalorizado ou relegado a papel secundário. Apesar das campanhas de promoção da saúde, a fruta só manteve o seu lugar graças aos citrinos da Califórnia e da Florida, amplamente processados em sumo e endoçados artificialmente, o que altera completamente o seu valor nutricional. O declínio do vegetal: batatas e estatísticas inquietantes Os legumes perderam importância. E as batatas — alimentos base durante gerações — deixaram de ser protagonistas, mesmo com a popularidade das batatas fritas e chips industrializados. Em 1909, comercializavam-se cerca de 102 kg de batatas por pessoa por ano. Em 1985, esse número caiu para apenas 88 kg. Se em 1909 o americano médio obtinha 40% das suas calorias de alimentos vegetais, em 1976 essa percentagem desceu para apenas 17% — menos de um quinto. Conclusão: a fome oculta por trás da abundância Este retrato nutricional não é apenas uma coleção de números — é um espelho da cultura, da estética e da pressão invisível que define o modo como comemos. As mulheres, de forma silenciosa, continuam a comer menos — muitas vezes não por saúde, mas por exigência estética, por disciplina social, por medo de não corresponder ao ideal corporal vigente. Enquanto isso, a alimentação masculina celebra o excesso, e o culto à carne permanece como religião dominante. Entre cereais esquecidos e bifes celebrados, entre o suco adoçado e a batata abandonada, surge uma questão urgente: Estamos a comer para nutrir… ou para cumprir papéis impostos?
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global