Das Origens à Modernidade: Cronologia da Literatura Gastronómica Portuguesa

Fundação (Século XVII) — A Era de Domingos Rodrigues

1680 – Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues

Este livro marca o ponto inaugural da literatura culinária portuguesa moderna. Escrita por um cozinheiro da corte de D. Pedro II, a obra regista receitas aristocráticas e conventuais, estabelecendo uma norma técnica e linguística. Introduz uma linguagem culinária sistematizada e um repertório de pratos que moldariam a cozinha portuguesa durante os dois séculos seguintes.

Difusão e Adaptação (Século XVIII) — Entre o Palácio e o Povo

Circulação manuscrita e edições piratas
Durante o século XVIII, Arte de Cozinha circulou amplamente, sendo copiada, adaptada e republicada. As edições tornaram-se mais acessíveis a uma burguesia urbana emergente. O conteúdo era frequentemente ajustado aos gostos da época e ao acesso a ingredientes mais modestos.

1780 – Cozinheiro Moderno, de Lucas Rigaud
Influenciado por Rodrigues, esta obra reflecte a incorporação de técnicas francesas e um desejo crescente de sofisticação burguesa. Apresenta uma culinária mais “internacional”, embora enraizada em produtos nacionais. Notável por organizar as receitas por categorias e momentos da refeição.

Consolidação (Século XIX) — A Cozinha Nacional Populariza-se

1800–1850 – Manuscritos domésticos e saberes femininos
Durante este período, proliferam receituários manuscritos, criados por senhoras da nobreza e da burguesia, que serviam de referência familiar. Estas obras, ainda hoje conservadas em arquivos e bibliotecas, documentam uma culinária de tradição oral fixada pela mão feminina, muitas vezes sem autor identificável.

1870 – O Cozinheiro Nacional
Publicado já na fase final da monarquia, esta obra pretende democratizar o acesso ao saber culinário. Utiliza uma linguagem mais directa, e incorpora receitas acessíveis a várias classes sociais. Tem uma orientação patriótica, sublinhando os pratos “à portuguesa” como forma de identidade.

Reformulação (Século XX) — Entre a Tradição e a Modernização

1927 – Tratado de Cozinha e Copa, de Carlos Bento da Maia
Este tratado representa a sistematização técnica mais completa do início do século XX. Inclui receitas, medidas, conselhos de serviço e organização de cozinha. Influenciado por modelos franceses e militares, reflecte o espírito de ordem, disciplina e racionalidade da época. Foi usado em escolas e institutos de formação.

1930–1950 – Manuais escolares e revistas femininas
Com a institucionalização da educação doméstica feminina no Estado Novo, surgem inúmeros manuais escolares de economia doméstica, que adaptam a tradição culinária ao ideal da dona de casa portuguesa. Ao mesmo tempo, revistas como Modas & Bordados divulgam receitas práticas, abrindo espaço para novos ingredientes, técnicas e electrodomésticos.

1960 – Livro de Pantagruel, de Bertha Rosa-Limpo
Uma das obras mais populares do século XX, Pantagruel combina tradição, inovação e humor. Organizado em estilo enciclopédico, permite o cruzamento de receitas regionais, pratos internacionais e técnicas modernas, refletindo o espírito cosmopolita de uma sociedade em transformação.

Ruptura e Reinterpretação (Pós-1974)

1974 – Revolução de Abril e revalorização das cozinhas regionais
O fim da ditadura impulsiona um movimento de redescoberta da diversidade regional. Surgem publicações que dão protagonismo à cozinha alentejana, minhota, transmontana, açoriana e madeirense, muitas vezes com forte carga etnográfica.

1980–1990 – Guias, roteiros e gastronomia enquanto património
A literatura gastronómica cruza-se com o turismo e o património. Obras como os roteiros de Maria de Lourdes Modesto ou os livros de Alfredo Saramago abordam a culinária como expressão de cultura material e identidade colectiva.

1993 – Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lourdes Modesto
Reunindo centenas de receitas de todas as regiões, esta obra sistematiza a tradição oral e manuscrita, com rigor e clareza. É um marco editorial e cultural, frequentemente comparado ao papel de Arte de Cozinha no século XVII.

Cozinha de Autor e Alta Gastronomia (Século XXI)

2000 em diante – Emergência dos chefs como autores
Com o reconhecimento internacional da cozinha portuguesa contemporânea, surgem livros de autor, assinados por chefs como Michel da Costa, Fausto Airoldi, Vítor Sobral, José Avillez ou Ljubomir Stanisic. Estas obras combinam a receita com a reflexão, a fotografia artística e a valorização do produto local.

2010 – Literatura gastronómica como objecto de design e colecção
Os livros tornam-se objectos culturais e editoriais sofisticados, com cuidado gráfico, ensaios e contextualização histórica. A edição gastronómica contemporânea valoriza a narrativa, a imagem e a sustentabilidade.

Conclusão: Um Património em Construção

A literatura gastronómica portuguesa atravessa, desde Domingos Rodrigues, quatro séculos de transformação cultural, técnica e social. De uma obra palaciana manuscrita a um universo editorial diverso e global, a escrita culinária acompanhou as mudanças do país, registando e reinventando o que comemos — e como o compreendemos.

Mais do que uma colecção de receitas, esta literatura é uma narrativa da nossa relação com o território, a memória e a criatividade. E tal como o paladar evolui, também a linguagem que o descreve continua a ser escrita, partilhada e recriada, geração após geração.

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