Sabores da Corte: As Receitas Mais Representativas de Arte de Cozinha Uma Cozinha de Prestígio e Técnica Apurada Publicada em 1680, a obra Arte de Cozinha de Domingos Rodrigues não é apenas o primeiro grande tratado culinário português impresso. É também um testemunho vivo da cozinha de corte do século XVII, onde o refinamento, a abundância e o rigor técnico se cruzam com uma noção incipiente de identidade gastronómica nacional. Entre centenas de receitas, há algumas que se destacam não apenas pela sua complexidade ou sabor, mas por representarem as bases da tradição culinária que perduraria ao longo dos séculos. Este artigo identifica cinco receitas emblemáticas, analisando o seu conteúdo, técnica e relevância histórica.
1. Perdiz Estufada com Presunto e Vinho Esta receita abre caminho à tradição das aves estufadas com enchidos e vinho, que marcaria profundamente a cozinha portuguesa, tanto em ambientes aristocráticos como rurais. A preparação começa com perdizes arranjadas, temperadas com sal e alho, e cozinhadas lentamente com presunto, cebola, especiarias e vinho branco. O que revela esta receita?
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A prática do estufado longo e aromático, técnica de cozinha húmida refinada.
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O uso de vinho como base de cozedura, já amplamente enraizado na época.
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A valorização de ingredientes nobres e locais: perdiz, presunto curado, azeite e especiarias como o cravinho.
É um exemplo notável da cozinha de transição entre o medieval e o barroco, marcada pelo excesso moderado e pela harmonia de sabores.
2. Empada de Cação com Camarões e Amêndoas Neste prato, Domingos Rodrigues propõe uma empada recheada com peixe e marisco, envolvida numa massa leve e aromática. A combinação de cação (um peixe tradicional), camarões e amêndoas, num molho espesso com especiarias e ervas, dá corpo ao recheio. A massa é fechada e levada ao forno, formando uma estrutura complexa e estética, própria da mesa palaciana. Porquê é representativa?
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Introduz a ideia de empada como peça central da mesa, e não apenas como entrada.
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Mostra o domínio de várias técnicas: estufar, engrossar molhos, moldar massas e cozer no forno.
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Exprime a influência árabe e mediterrânica na doçura das amêndoas e no uso do açafrão.
Este prato une mar e terra, simbolizando a amplitude do império português, com produtos vindos do litoral e receitas influenciadas por diferentes culturas.
3. Ensopado de Capão com Molho Picante O ensopado é uma técnica ainda presente na cozinha tradicional. Neste caso, o capão (galo capado) é cozido em caldo aromático, depois envolvido num molho à base de vinagre, alho, pimenta, pão ralado e gemas, tudo espessado e servido sobre fatias de pão. Trata-se de uma receita que, apesar da sofisticação, tem raízes profundas na cozinha medieval ibérica. Aspectos notáveis:
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Introdução do molho ácido e espesso, antecessor dos molhos avinagrados regionais.
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Coexistência entre carne branca, pão e molho — uma estrutura ainda hoje reconhecível em receitas populares.
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Capão como carne de prestígio, reservada a ocasiões festivas.
Domingos Rodrigues eleva um prato de base rural a nível de apresentação palaciana, integrando saber técnico com tradição oral.
4. Doce de Gila com Carapinhado A utilização da gila (ou chila), uma abóbora de polpa fibrosa, é uma herança da Península Ibérica com ecos nas cozinhas conventuais. Nesta receita, a gila é cozida e misturada com açúcar, gemas e canela. Depois, forma-se o doce e cobre-se com carapinhado (açúcar puxado em ponto de fio forte), conferindo-lhe textura crocante e brilho decorativo. Por que é importante?
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Exemplar da doçaria barroca portuguesa: rica, trabalhada, visualmente apelativa.
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Usa ingredientes simples (gila, ovos, açúcar), mas com técnica elevada.
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A prática do ponto de açúcar, uma competência culinária avançada, é central.
Este doce antecipa a riqueza da doçaria conventual oitocentista, sendo um elo entre cozinha aristocrática e prática monástica.
5. Ovos Reais com Água de Flor de Laranjeira Entre os doces mais emblemáticos, os Ovos Reais representam o auge da técnica e do simbolismo barroco. A receita envolve gemas peneiradas, cozidas com calda de açúcar e perfumadas com água de flor de laranjeira, apresentadas em formas variadas, frequentemente em pequenas trouxas ou moldes decorativos. Significado técnico e simbólico:
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Exige domínio absoluto do ponto de calda e da incorporação da gema.
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O aroma da flor de laranjeira evoca sofisticação orientalizante, comum na doçaria de corte.
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As formas rematadas com arte evidenciam a função visual dos doces como símbolo de opulência e refinamento.
É uma receita que exige precisão e cuidado, tornando-se um símbolo da doçaria erudita portuguesa.
Conclusão: Uma Obra de Técnica, Estética e Identidade Estas receitas não são apenas exemplos do gosto da época; são exercícios de técnica culinária requintada, que ilustram como Domingos Rodrigues pensava e praticava a cozinha. Através delas, vemos um cozinheiro que domina ingredientes locais e estrangeiros, conjuga texturas e temperaturas, e articula tradição com inovação. O seu repertório dá origem a um léxico culinário nacional em formação, com pratos e práticas que, em muitos casos, atravessaram os séculos com variações. Ler Arte de Cozinha hoje é reencontrar as raízes técnicas, culturais e sensoriais daquilo que ainda entendemos como cozinha portuguesa — e estas receitas são os seus pilares fundadores.
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