O impacto da obra Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, na formação da identidade gastronómica nacional foi profundamente estruturante, tanto no plano técnico como simbólico. Esta influência pode ser analisada a partir de vários eixos:
1. Codificação da Tradição Gastronómica Portuguesa Antes da publicação de Arte de Cozinha, o saber culinário em Portugal era predominantemente oral e prático, transmitido no interior de famílias, conventos ou casas senhoriais. Ao fixar essas práticas por escrito, Domingos Rodrigues deu visibilidade e estabilidade à culinária portuguesa, permitindo a sua transmissão e preservação de forma duradoura. O livro foi o primeiro a reunir receitas, técnicas e vocabulário especializado em língua portuguesa com autoria identificada, tornando-se uma referência para os cozinheiros das gerações seguintes. Muitas das práticas ali descritas permaneceram inalteradas durante séculos, especialmente nas cozinhas aristocráticas e conventuais.
2. Criação de um Modelo de Cozinha de Corte com Expressão Nacional Ao mesmo tempo que absorvia influências estrangeiras — nomeadamente francesas, espanholas e italianas — a obra manteve e valorizou pratos, ingredientes e preparações locais, como os assados de caça, as caldeiradas, os cozidos ou as doçarias à base de gema de ovo e açúcar. Esse equilíbrio entre influência externa e fidelidade ao gosto local ajudou a consolidar uma identidade culinária nacional com prestígio internacional, sem perder as raízes. Ou seja, Rodrigues não apenas registou receitas; organizou um repertório culinário representativo de uma nação recém-independente, num tempo em que a afirmação cultural era também uma forma de resistência política.
3. Inspiração para a Gastronomia Conventual e Popular A doçaria descrita em Arte de Cozinha tem uma ligação clara com o universo conventual, que marcaria profundamente a gastronomia portuguesa dos séculos XVIII e XIX. Muitas das receitas de doces e compotas, ainda hoje consideradas símbolos da doçaria tradicional portuguesa (p. ex., papos de anjo, fios de ovos, trouxas, pastéis), encontram raízes formais ou técnicas na obra de Rodrigues. A influência do livro alastrou ainda à cozinha popular, por via da difusão das práticas culinárias de cima para baixo: o que se fazia nos palácios era adaptado nos solares, nas quintas e nas casas burguesas. Com o tempo, essas receitas — simplificadas, mas ainda reconhecíveis — foram sendo assimiladas pelo quotidiano alimentar de diversas regiões.
4. Consolidação de uma Literatura Gastronómica em Português Ao ser pioneiro, Arte de Cozinha abriu caminho para uma tradição literária gastronómica em Portugal. A existência de um modelo escrito incentivou novas publicações, como:
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Cozinheiro Moderno (1780), de Lucas Rigaud;
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O Cozinheiro Nacional (1870);
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e, já no século XX, autores como Carlos Bento da Maia.
Todos estes textos foram, directa ou indirectamente, herdeiros do formato, da linguagem e da ambição sistematizadora de Domingos Rodrigues.
5. Afirmação da Culinária como Sabedoria Profissional Por fim, Arte de Cozinha ajudou a dignificar o ofício do cozinheiro, tirando-o do anonimato e da subalternidade habitual. Domingos Rodrigues assinou o seu livro, reclamando para si um lugar de mestre e de autoridade intelectual. Ao fazê-lo, contribuiu para a transformação da imagem do cozinheiro — de servo silencioso para guardião e autor do saber culinário nacional. Este gesto teve impacto directo na forma como a profissão foi sendo valorizada, preparando o caminho para, séculos depois, chefs como Michel da Costa, Fausto Airoldi ou José Avillez assumirem o seu trabalho também como criação cultural e expressão identitária.
Conclusão: Uma Obra-Fundação da Culinária Nacional O impacto de Arte de Cozinha na formação da identidade gastronómica portuguesa não se resume à sua utilidade prática. O livro funciona como documento fundacional, onde se entrecruzam tradição, poder, técnica e linguagem. A sua importância está na forma como deu estrutura, memória e voz a uma cultura culinária que, até então, vivia na sombra do oral e do doméstico. Mais do que um manual de receitas, Arte de Cozinha é um acto de codificação da identidade alimentar portuguesa, num momento em que o país procurava reconstruir-se politicamente e culturalmente. A sua influência perdura — não apenas nos pratos que ainda se preparam hoje, mas na forma como pensamos, valorizamos e narramos a nossa cozinha.
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