Vieira — a concha do peregrino e o luxo do mar

Poucos alimentos conseguem reunir tanta simbologia espiritual e, ao mesmo tempo, tanto prestígio gastronómico como a vieira. Este molusco bivalve, que deslumbra pela beleza da sua concha e pela delicadeza da sua carne, está profundamente ligado à história da Galiza e do Caminho de Santiago, mas também à mesa, onde se tornou sinónimo de sofisticação.

A concha do peregrino

Na Idade Média, a Galiza era um dos raros locais da Europa onde se pescavam vieiras em abundância. Os peregrinos que chegavam a Santiago de Compostela, após dias ou meses de caminhada, regressavam a casa trazendo consigo uma concha de vieira.

Essa concha tinha vários significados:
  • Prova da peregrinação, uma espécie de certificado espiritual;
  • Recipiente para esmolas e alimentos, já que as suas grandes dimensões (até 15 cm de diâmetro) permitiam receber grãos, legumes ou água;
  • Símbolo de proteção, usado no chapéu ou preso ao manto, reconhecível por todos como sinal do caminho concluído.
A vieira tornou-se assim inseparável da imagem do peregrino medieval e, ainda hoje, é o emblema do Caminho de Santiago, guiando os caminhantes modernos através das setas amarelas e dos marcos esculpidos com a famosa concha.

Um atleta improvável dos mares

Apesar da sua aparência delicada, a vieira é um dos moluscos mais surpreendentes do oceano. Ao contrário das ostras ou mexilhões, consegue mover-se com agilidade: abre e fecha as suas duas valvas desiguais e, num gesto rápido, dispara como se fosse um foguete submarino. Para reforçar a manobra, expulsa jatos de água que a ajudam a escapar de predadores.

Ainda mais fascinantes são os 40 a 60 pequenos olhos distribuídos ao longo da borda do seu manto. Brilham em tons de azul-turquesa e, apesar de não distinguirem formas, captam movimento e luz com uma precisão inesperada para um invertebrado. São, de facto, mais próximos dos olhos dos vertebrados do que dos restantes moluscos — uma dádiva evolutiva que garante à vieira uma perceção atenta do seu mundo subaquático.

Um arco-íris de conchas

As conchas das vieiras não são apenas símbolos religiosos: são verdadeiras obras de arte natural. Podem apresentar-se em branco, amarelo, rosa, vermelho, roxo, azul, castanho ou preto, lisas ou com padrões em riscas, salpicos ou círculos concêntricos.

Existem cerca de 300 espécies espalhadas pelo mundo, e todas são comestíveis. Mas, como acontece com muitos bivalves, a qualidade está ligada à origem: as melhores vieiras são as que vêm de águas frias, com carne firme e sabor delicado.

Escassez, conservação e rumores

Há apenas algumas décadas, as vieiras corriam sério risco de se tornar raridade. A sobrepesca levou a uma queda drástica dos stocks, mas a imposição de regras rígidas de captura e tamanhos mínimos conseguiu inverter a tendência. Hoje, as populações estão mais estáveis, embora continuem vulneráveis às alterações climáticas e à poluição.

Não faltam também boatos de mercado: diz-se que alguns comerciantes desonestos moldam carne de tubarão ou de peixe branco em pequenos discos redondos para vender como vieiras. Embora seja difícil comprovar a frequência desta fraude, a suspeita persiste, talvez alimentada pelo valor elevado deste molusco.

Vieiras em Portugal — entre a tradição e a alta cozinha

Em Portugal, a vieira nunca teve o peso cultural que assumiu na Galiza, mas conquistou o seu espaço. Na costa portuguesa, surgem sobretudo nas águas frias do norte e também na Ria Formosa, onde são capturadas espécies como a Pecten maximus.

Na mesa portuguesa, são cada vez mais valorizadas na alta cozinha, grelhadas ligeiramente, servidas em carpaccio ou salteadas em manteiga com alho e coentros. Muitos chefs celebram-nas como uma das mais finas iguarias do mar, a par da lagosta ou do lavagante.

Ainda assim, em restaurantes populares, não é raro encontrarem-se pratos onde a vieira aparece gratinada, envolta em molhos ricos, servida na própria concha — um clássico da cozinha de celebração em épocas festivas.

O contraste asiático

Enquanto na Europa a vieira se transformou em símbolo de peregrinação e luxo gastronómico, no Sudeste Asiático ela aparece com uma simplicidade pragmática. Nas bancas da Tailândia, é conhecida apenas como “hoy shell”, muitas vezes preparada para turistas, mais do que para consumo local.

Conclusão — Entre o sagrado e o profano

A vieira é, ao mesmo tempo, um símbolo espiritual e uma iguaria mundana. Carrega consigo a memória dos peregrinos de Compostela, que a usavam como sinal de fé e sobrevivência, mas também o brilho dourado dos pratos sofisticados, onde se apresenta como jóia do mar.

Talvez seja precisamente essa dualidade que a torna tão especial: um alimento que transcende a mesa e se inscreve na história, lembrando-nos de que até o mais pequeno gesto da natureza — uma concha, um bivalve — pode marcar civilizações inteiras.

Grito de Raiva

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