Carpa — o peixe que mastiga o silêncio da água

Um peixe diferente de todos os outros

A carpa (Cyprinus carpio) é um dos peixes de água doce mais intrigantes e resistentes do mundo. Ao contrário da maioria dos peixes, que engolem a comida inteira, a carpa tem a particularidade de mastigar tudo o que ingere, triturando com calma o que encontra no fundo dos rios e lagos.

Mas não é apenas no ato de se alimentar que a carpa surpreende. Quando a água em que vive fica pobre em oxigénio — como acontece em verões quentes ou em lagoas rasas que quase secam —, a carpa é capaz de engolir uma bolha de ar e mantê-la junto das guelras. Dessa bolha, retira oxigénio suficiente para sobreviver. É como se carregasse consigo uma pequena reserva de vida, um truque engenhoso que explica a sua resistência milenar.

A rainha das águas doces

Embora exista apenas uma espécie verdadeira de carpa (Cyprinus carpio), a variedade de formas, cores e mutações é impressionante:
  • carpas verdes, rosadas, azuis ou douradas;
  • carpa de lago, de rio ou de lagoa;
  • carpa de escama, carpa de couro e carpa-espelho, estas últimas preferidas na mesa por uns e rejeitadas por outros.
Ao todo, contam-se mais de 1.500 variedades reconhecidas, desde as comuns às carpas ornamentais que hoje encantam jardins japoneses e lagos de quintais europeus.

Das águas da China ao mundo inteiro

A carpa é originária do Leste Asiático, provavelmente da China, onde era criada em tanques e arrozais inundados há mais de dois mil anos. Não podendo atravessar oceanos por si mesma, espalhou-se pelo mundo graças ao homem, sendo introduzida na Europa, África (exceto Madagáscar), América do Norte e partes da Indonésia. Curiosamente, não existe carpa nativa na América do Sul nem na Austrália.

Na China, a carpa é mais do que alimento: é símbolo de força e perseverança. Diz a lenda que uma carpa que consiga subir as quedas do rio Amarelo se transforma em dragão — metáfora para a superação e ascensão social. Ainda hoje, a carpa é presença obrigatória em celebrações e tradições orientais.

A chegada à Europa

Os gregos e romanos não conheceram a carpa, e a sua introdução no Ocidente continua envolta em incertezas.
  • Em Augsburgo, já em 1558, temos registos de carpa nos banquetes, custando quatro vezes mais do que a carne de vaca.
  • Em França, muito antes de Catarina de Médicis, a carpa já brilhava nos menus de abades e bispos.
  • Em Inglaterra, surge no início do século XVII, mencionada por Shakespeare em Hamlet: “O isco da mentira captura a carpa da verdade”.
Na América do Norte, só chegou no século XVII, mas nunca ganhou popularidade. Muitos viam-na como espécie invasora, capaz de destruir plantas aquáticas e afastar outros peixes mais valorizados.

Na mesa da Europa e de Israel

Na Alemanha e na Europa de Leste, a carpa tornou-se prato tradicional de Natal. O costume ditava que fosse mantida viva em tanques ou mesmo em banheiras domésticas durante alguns dias, em água fresca e limpa, para purificar o seu sabor. Hoje, esse processo é feito em aquários das peixarias.

Em Israel, foram os emigrantes vindos da Polónia e da Hungria que trouxeram consigo a tradição do gefilte fish, um prato festivo preparado à base de carpa.

Carpa em Portugal — presença discreta

Em Portugal, a carpa chegou pelos rios do interior e acabou por ser associada mais à pesca desportiva do que à mesa. Espalhou-se por barragens e albufeiras, onde hoje é uma das espécies mais capturadas por pescadores de lazer.

No entanto, a nível culinário, nunca atingiu a importância de peixes como a truta ou o sável. O sabor da carpa, muitas vezes influenciado pelas águas turvas onde vive, fez com que fosse vista como peixe “menor”. Ainda assim, há quem defenda que, bem purgada e preparada, pode rivalizar com outros peixes de rio.

Um peixe que cresce, sobrevive e fascina

As carpas podem atingir dimensões impressionantes: na Europa já se registaram exemplares com 45 quilos, mas na Índia e em Myanmar as chamadas carpas gigantes ultrapassam largamente esse peso.

Quanto à longevidade, as lendas falam de carpas que viveram mais de um século. Embora difícil de comprovar, a robustez da espécie deixa espaço para acreditar que, se não fosse a mão do homem, poderiam de facto viver muito mais tempo.

Entre a nobreza e a desconfiança

Ao longo da história, a carpa oscilou entre dois estatutos:
  • peixe nobre, digno de banquetes medievais e mesas de reis,
  • e peixe desconfiado, associado a águas turvas e a um sabor “terroso”.
O Petit Larousse, com típico humor francês, resume: “A carpa está deitada no vaso”, sugerindo a sua propensão para o fundo lamacento.

Mas há quem, como Alexandre Dumas, lhe tenha dedicado até dietas excêntricas — sugeria deitar um copo de vinagre na boca da carpa antes de a cozinhar, sem nunca explicar como fazê-la engolir tal elixir.

Reflexão final — a lição da carpa

A carpa é resiliência pura. Um peixe que sobrevive à falta de oxigénio, que mastiga a vida com calma, que resiste a mares de preconceitos e atravessa fronteiras culturais.

Na Ásia, é símbolo de triunfo. Na Europa, um prato de festa. Em Portugal, uma presença discreta nos rios e nas memórias dos pescadores.

Talvez a lição da carpa esteja justamente aí: ensinar-nos que a grandeza nem sempre se mede pela fama ou pelo prestígio à mesa, mas pela capacidade de resistir e de se reinventar — mesmo nas águas mais turvas.

Grito de Raiva

PROCURA NO PORTAL DAS COMUNIDADES

 
ROTEIRO DO REGRESSO A PORTUGAL
PORTUGAL ESSENTIALS
100 DICAS PARA TER À MÃO, 100 DIAS SEM TENSÃO
BLOCO DE NOTAS, CRONICAS E CONTEÚDOS, PARTICIPA!
ESCRITOR ADEMIR RIBEIRO SILVA

CONTEÚDOS
Crónicas do jornalista Daniel Bastos
Fundação NOVA ERA JEAN PINA espalha solidariedade em Portugal
Avintes evocou legado dos emigrantes
Relembrar Ausschwitz
O altruísmo dos emigrantes em prol dos bombeiros
Duarte Fernandes: empreendedor e benemérito da comunidade portuguesa na ilha de Jersey
José Luis Vale: um exemplo do potencial dos empreendedores da diáspora
A generosidade dos emigrantes em prol dos Bombeiros
José Costa: um emigrante empreendedor de referência na comunidade portuguesa na Andorra
Em torno da mobilidade
POSSO: uma associação de referência ao serviço da comunidade luso-americana em S. José
Memórias de um Futuro Radioso
A benemerência dos emigrantes em prol dos Bombeiros
A oposição à ditadura nas comunidades portuguesas da América do Norte
Porto José Batista apresentou “O Homem de Duas Sombras”
Porto foi palco de apresentação do livro “Memórias da Ditadura”
Daniel Bastos apresenta livro sobre as comunidades portuguesas
A paixão pelo vinho português na Diáspora
Nathalie Afonso: uma artista plástica lusodescendente inspirada na cultura portuguesa
Ano Novo: tempo de novas dinâmicas nas Comunidades Portuguesas
Paul Pereira: um dedicado “mayor” luso-americano em Nova Iorque
A solidariedade das comunidades portuguesas em prol dos Bombeiros
Práticas e Políticas-Inspiradoras e Inovadoras com Imigrantes
O fenómeno da emigração na música portuguesa
A (re)valorização da música portuguesa no seio da lusodescendência
Transatlântico-As migrações nos Açores
In memoriam Felicia de Assunção Pailleux
Comendador José Morais: um self-made man luso-americano
O Museu Etnográfico Português na Australia
Pobreza, pandemia e solidadriedade na comunidade portuguesa na França
Museu da Família Teixeira: um tributo ao legado migratório luso-venezuelano
Envelhecer nas Comunidades Portuguesas
A rede museológica dedicada à emigração portuguesa
Patoá, um idioma de origem portuguesa em vias de extinção
A presença portuguesa no Museu da Imigração do Canadá
O Festival das Migrações, Culturas e Cidadania em tempos de pandemia
A oposição ao Estado Novo nas comunidades portuguesas da América do Norte
Os apoios constantes de emigrantes portugueses às corporações de bombeiros
 

Gostas de Escrever

OFioDaNavalha, crónicas para usares e abusares... copia, altera, faz tuas as palavras...
A arte de ser feliz!
A capacidade de aprender
A casa às costas
A culpa...
A força das palavras
A força de acreditar...
A ilha deserta...
A pele... que se veste
A sociedade perdeu o pio
A teia...
A vida acontece todos os dias
Ajuste de contas
As palavras ditas
Banal realidade
Cada qual com a sua realidade
Caminhos da felicidade
Coisas que não digo
Cuida dos teus talentos
Decide-te... agarra a tua vida...
Derrotas
Desilusões... que ensinam a viver
Dias vazios
Enredo que herdei
Entre nascer e morrer
Esperas e outras horas vazias...
Quando tudo é pouco...
Hoje é o melhor dia de sempre...
Impossivel fazer alguém fel
Manual de instruções...
Não me roubem o mar...
Outro dia... Outro lugar
O circo de feras
O fio da navalha
O fogo que arde em ti... convicção!
O homem livre
O jogo da vida
O mar sem sal
O princípio é o fim!
O Senhor Contente
O significado da felicidade...
O soldadinho de chumbo
Onde fui... quando desapareci
Os dias diferentes...
Os intocáveis...
Outubro e os sonhos
Outro dia … outro lugar...
Pessoas felizes, vivem mais tempo!
Prisões invísiveis
Quem és tu?
Se... houver justificações
Ser ou não ser...
Sobre a vaidade
Sobre marcas nas paredes
Sobre medos no caminho...
Sobre perguntas e respostas
Sobre as perdas de tempo
Super Homem versão 2020
Tempos passados...
“A Água É Mole A Pedra É Dura” crónicas de opinião, participa...
ÁguaMoleEmPedraDura... Opinião!
A China dos anos 00 do século XXI
A China dos anos 20 do século XXI
A China dos anos 80 do século XX
A guerra da água...
As Rotas da Seda!
Dinheiro contra o bom comportamento
Imparáveis e Implacáveis... o barato às vezes sai caro
Os campeões das vacinas!
Uns agonizam... outros fazem a festa...
União Europeia... tão amigos que éramos...
DEIXA-ME RIR, crónicas de gozo com os cenários à nossa volta...
Deixa-me rir... o dia-a-dia com graça
A cabeça na mochila
Aventura UBER em Portugal
Americanos... só com Ketchup
A galinha existencialista
Benfica e o VAR
Brasileiros... mais que samba
Chineses... ou como viver num caos organizado
Corrupção... o desporto nacional
Espanhóis, tão perto e tão longe
Portugal real ou surreal
Suíça terra de sonho

 

CULINARIUM XXI

MyFoodStreet, sobre Saberes dos Sabores e mais...
Adão, Eva e a maçã
Alimentação alternaiva
Arca de Noé, uma tábua de salvação
Arte de Cozinha, Primeiro tratado gastronómico português
Arte de Cozinha, Contexto histórico da edição
Arte de Cozinha, Vocabulário usado
Arte de Cozinha, Receitas da Corte
Arte de Cozinha, Impacto na Gastronomia de hoje
Arte de Cozinha, e a doçaria conventual
Arte de Cozinha, das origens até aos nossos dias
Azeite uma dádiva dos deuses
Bebidas e alimentos, os inseparáveis
Bebidas refrigerantes
Café, uma viagem longínqua
Cerveja... uma história de papas
Código “E”, o pão nosso de cada dia
Culinária no Antigo Testamento, celebrações biblícas
Descobertas maritímas e a sua importância na nossa gastronomia
Descobertas maritímas intercâmbio de culinária
Doce negócio do vício
Domínio da água
Eça de Queirós e os banquetes
Os Maias, a mesa de Eça
Escoffier, o arquitecto da cozinha moderna
Espargos... uma história secular
Falsificadores e intrujões
Fast Food... e Ketchup
Fernando Pessoa, à mesa com o poeta
Ferran Adrià, o alquimista da cozinha moderna
Gastronomia, séculos de descoberta
Grande ilusão do jardim natureza
Ler com Sabor
Literatura vs. Gastronomia
Livros de cozinha na história
Margarina... Manteiga dos pobres
Mesa Romana... entre manjares e o vomitorium
Molho Inglês, no segredo dos deuses
Nutrição, Género e Cultura
Pão, o Azeite e o Vinho
Paul Bocuse, a cozinha de mercado
Paul Bocuse, o legado
Pepsi, diretamente da farmácia
Revolução à mesa
Sementes ao poder... ou o poder das sementes
Sementes patenteadas... sobre o domínio da natureza
Sementes controladas... a fatura
Sementes... e a resistência em nome da natureza
Sementes... e a evolução no futuro
Silêncio á mesa
Slow Food, o retorno à cozinha lenta
Slow Food Portugal,  a genuinidade nas marcas
Sumol, a bebida que também é saudade
Verdade dos livros
Vinho... uma parte da história
Vinho do Porto, marca nacional
Vinho Verde, regional
CULINARIUM XXI
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global
3. O APARELHO DIGESTIVO        
4. A TEORIA DOS PRODUTOS        
13. AS ENTRADAS, ACEPIPES         
24. A COZINHA FRIA         
25. SOBRE SOBREMESAS          

CULINARIUM XXI

CULINARIUM XXI

APOIA

CULINARIUM XXI

 

Pub

Pub

Pub

saberes&sabores

Pub