Cenoura — o mel da terra que atravessa séculos
Das raízes do Afeganistão às mesas do mundo A cenoura (Daucus carota) é uma das raízes mais antigas da alimentação humana. O seu berço é o Afeganistão, onde as primeiras variedades — de cores arroxeadas e amareladas — começaram a ser cultivadas há milhares de anos. Muito antes da era cristã, a cenoura já tinha chegado ao Mediterrâneo, embora sem o entusiasmo generalizado que mais tarde conquistaria. Os gregos, por volta de 500 a.C., mencionavam-na, mas preferiam outros vegetais. Os romanos também a conheciam, porém davam primazia ao nabo. Só a partir da Idade Média a cenoura começou a ganhar o lugar que hoje lhe reconhecemos. No século IX, as terras sob domínio de Carlos Magno já cultivavam cenouras, espalhando-se pela França e Alemanha. Alguns historiadores, como Alain Decaux, defendem mesmo que a cenoura já era cultivada na Gália antes da era cristã. Na Inglaterra medieval, registos do século XII indicam que muitos preferiam as sementes da cenoura selvagem ao sabor mais intenso das cenouras cultivadas.
A diversidade que encanta os olhos Poucos vegetais oferecem uma paleta de formas e cores tão ampla como a cenoura. Existem curtas e grossas, longas e finas, de ponta arredondada ou aguçada. Podem ser brancas, amarelas, rosadas, vermelhas, roxas e, claro, as icónicas laranja, que só se popularizaram no século XVII nos Países Baixos, em homenagem à Casa de Orange. Além da aparência, a cenoura surpreende pelo sabor: contém mais açúcar do que qualquer outro vegetal, exceto a beterraba. É este equilíbrio entre doçura natural e frescura crocante que faz dela um alimento universalmente aceite, tanto cru como cozinhado.
Entre a mesa e a doçaria Apesar do seu valor nutritivo, a cenoura sempre desempenhou um papel modesto na culinária salgada. Usada em sopas, estufados ou como guarnição, raramente assumia o protagonismo. Porém, é nas sobremesas que a cenoura se destacou de forma inesperada:
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Os irlandeses chamam-lhe poeticamente o “mel da terra”, celebrando a sua doçura natural.
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Os hindus criaram o gajar halwa, doce de cenoura cozida em leite e açúcar, adornado com pistácios e folhas de prata.
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Os judeus asquenazes transformaram-na no zimmes, guisado de cenouras adoçado com mel, símbolo de prosperidade.
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Os suíços e austríacos orgulham-se do bolo de cenoura, coberto com pequenas cenouras de maçapão.
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Em Inglaterra e Estados Unidos, a imaginação levou a criar até geleia e vinho de cenoura, ainda que este último tenha ficado como uma curiosidade mais do que uma tradição.
A cenoura em Portugal Em Portugal, a cenoura tornou-se parte do quotidiano, sobretudo a partir do século XVIII, quando a sua presença nas hortas familiares se consolidou. Hoje, é indispensável na base do refogado português, ao lado da cebola e do alho. Está presente em sopas como a doce sopa de cenoura com coentros, em pratos de peixe como a caldeirada, e em cozinhados tradicionais de carne. Mas a relação portuguesa com a cenoura vai além da cozinha salgada. O famoso bolo de cenoura com cobertura de chocolate, embora mais recente e inspirado em receitas brasileiras, ganhou lugar de destaque nas mesas portuguesas. E em algumas regiões do Algarve, é comum transformar a cenoura em doce de cenoura, especialmente para acompanhar queijos frescos.
Um alimento de saúde e longevidade A cenoura é um símbolo da força da terra. Rica em betacaroteno, que o corpo transforma em vitamina A, protege a visão e fortalece o sistema imunitário. É também fonte de fibras, potássio e antioxidantes. Na cultura popular portuguesa, não faltam ditados como “Quem come cenoura nunca perde a vista”. Embora exagerado, o provérbio reflete o valor que sempre se atribuiu à cenoura como alimento associado à vitalidade.
Entre a simplicidade e a poesia A cenoura, que começou por ser uma raiz tímida, relegada para segundo plano na Antiguidade, acabou por se transformar num símbolo universal da simplicidade nutritiva. É um alimento que não se impõe pelo luxo ou pelo exotismo, mas pela capacidade de se adaptar a todos os pratos e paladares. Talvez por isso, continua a ser vista com ternura: doce sem ser enjoativa, humilde sem perder relevância, colorida sem excessos. É, como disseram os irlandeses, o verdadeiro mel da terra — um presente silencioso que a humanidade aprendeu a colher, cozinhar e celebrar.
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