Canela: História, Rota e Presença Contemporânea de uma Especiaria Milenar A canela é hoje presença comum nas cozinhas de todo o mundo. Do arroz-doce às infusões, do caril aos doces conventuais, o seu aroma quente e sabor distinto fazem parte do património gustativo de muitas culturas. No entanto, por detrás da simplicidade da sua utilização quotidiana, esconde-se uma história longa, marcada por comércio, poder, mistério e transformação.
Origem e Antiguidade A canela é extraída da casca interna de árvores do género Cinnamomum, sendo as duas variedades mais conhecidas a Cinnamomum verum (ou canela do Ceilão) e a Cinnamomum cassia (mais comum e mais intensa). Na Antiguidade, a canela era uma especiaria rara e valiosa, muitas vezes oferecida como presente a reis e deuses. Era utilizada pelos egípcios nos processos de embalsamamento, sendo considerada símbolo de pureza e poder. No mundo greco-romano, era apreciada pelas suas propriedades aromáticas, medicinais e também como conservante natural de alimentos. O verdadeiro mistério, durante séculos, foi a sua origem. O comércio da canela era dominado por intermediários árabes que, para proteger os seus interesses, inventavam histórias sobre pássaros míticos que colhiam a canela em locais perigosos, inacessíveis ao homem. Esta aura de exotismo e dificuldade de acesso contribuía para o seu valor no mercado.
A Rota das Especiarias e o Domínio Colonial A partir do século XV, com a intensificação das expedições marítimas europeias, a canela passou a ser alvo de interesse estratégico. O objectivo era claro: controlar directamente as fontes de produção e libertar-se da dependência de intermediários orientais. Foi neste contexto que os portugueses chegaram ao Ceilão (actual Sri Lanka), onde encontraram a canela considerada mais pura. Estabelecendo feitorias e alianças políticas, os portugueses conseguiram durante algum tempo monopolizar o comércio da canela na Europa. Contudo, este domínio seria posteriormente disputado por neerlandeses e britânicos, numa sucessão de conflitos coloniais que marcaram a geopolítica do Índico. Durante este período, a canela era transportada em grandes quantidades para os mercados europeus, onde era usada não só na alimentação, mas também na perfumaria, na medicina tradicional e como símbolo de luxo.
A Canela na Cultura e Tradição Europeia Ao longo dos séculos, a canela foi-se integrando nas tradições culinárias europeias. Em Portugal, a sua utilização nos doces conventuais — como o arroz-doce, os pastéis de nata ou as filhós — revela a forma como os ingredientes exóticos vindos do Oriente foram absorvidos e reinterpretados pelas práticas locais. Além disso, a canela aparece com frequência na literatura e nos registos históricos como símbolo de requinte e exotismo. Era comum ser oferecida em banquetes reais ou usada para perfumar ambientes e roupas, misturada com outras especiarias como o cravinho ou a noz-moscada.
A Democratização da Especiaria Com o avanço da industrialização, a expansão das rotas comerciais e a plantação em larga escala noutras regiões tropicais, a canela foi perdendo o seu estatuto de luxo. A variedade mais comum, a cassia, de produção mais acessível, começou a substituir gradualmente a canela do Ceilão no mercado internacional. Esta democratização permitiu que a canela se tornasse um ingrediente quotidiano, acessível à maioria das famílias. O seu uso estendeu-se a todo o tipo de preparações culinárias, sendo também comercializada em pó ou em pau, consoante a aplicação desejada.
Diferenças entre Canela de Ceilão e Cassia Apesar de visualmente semelhantes, as duas principais variedades de canela apresentam características distintas:
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Canela de Ceilão (Cinnamomum verum): tem um sabor mais delicado e complexo, com notas suaves e aromáticas. A sua textura é mais fina e quebradiça. É geralmente considerada de maior qualidade.
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Canela Cassia (Cinnamomum cassia): apresenta um sabor mais forte e pungente. A casca é mais espessa, dura e de cor mais escura. É a variedade mais comum no comércio global.
A diferença entre ambas é relevante não apenas ao nível do sabor, mas também da composição química, especialmente no teor de cumarina, uma substância que em grandes quantidades pode ser tóxica. A cassia contém mais cumarina do que a canela do Ceilão, sendo por isso recomendado um consumo moderado da primeira.
Canela na Actualidade: Usos e Tendências Hoje, a canela é utilizada em múltiplos contextos e práticas:
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Culinária: desde pratos tradicionais até criações contemporâneas, doces e salgadas, bebidas quentes, infusões, molhos ou marinadas.
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Saúde natural: pelas suas alegadas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, a canela é usada em infusões e suplementos naturais, embora os efeitos devam ser encarados com cautela e fundamentação científica.
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Indústria alimentar e cosmética: o aroma da canela continua a ser valorizado em perfumes, óleos essenciais e ambientadores.
Além disso, assiste-se a um renovado interesse pela canela de Ceilão, especialmente em mercados mais atentos à qualidade, ao comércio justo e à rastreabilidade dos produtos.
Conclusão: Uma Especiaria entre Civilizações A história da canela é também a história das ligações entre povos, rotas comerciais, impérios e práticas culturais. De ingrediente sagrado no Egipto antigo a produto de luxo nas cortes europeias, passando por símbolo colonial e presença quotidiana nas cozinhas actuais, a canela é um exemplo paradigmático de como um alimento pode atravessar séculos e civilizações, adaptando-se e mantendo a sua relevância. Hoje, quando polvilhamos canela num doce tradicional ou numa bebida quente, participamos, de forma quase invisível, num ciclo de cultura, história e sabor com raízes milenares.
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