Coentros: a erva que cheira a história (e divide mesas) Entre a fama de “afrodisíaca para percevejos”, o estigma do cheiro e a glória em pratos portugueses que sabem a verão.
Do inseto ao prato: um nome que não mente Coentro vem do grego koriannon (de kóris, percevejo): o batismo denuncia o aroma intenso de certos aldeídos voláteis (como (E)-2-decenal e (E)-2-dodecenal). Para alguns narizes, soam a “bicho”; para outros, brilham como cítrico, verde, penetrante. Poucas ervas viajam tanto: papiros egípcios, Roma, Idade Média, Ásia, Médio Oriente, México, Vietname — e o sul de Portugal, onde são memória líquida de verão.
O nome assusta, o sabor conquista — quando o nariz diz sim.
Portugal no prato: onde os coentros mandam Se o norte é da salsa, Alentejo e Algarve são reinos de coentros. Não é moda; é tradição.
-
Amêijoas à Bulhão Pato: alho, azeite, vinho branco, coentros e limão — Portugal a subir da frigideira.
-
Gaspacho alentejano: pão duro, água fria, tomate, pepino, alho, azeite e coentros generosos.
-
Sopa de cação: caldo de alho, louro, vinagre e coentros.
-
Xarém com conquilhas (Algarve): milho, marisco, coentros a perfumar.
-
Açorda de bacalhau (Alentejo): pão, alho, azeite, ovos escalfados e coentros.
-
Salada de grão com bacalhau: eleva-se com bom azeite e coentros.
Nos churrascos, entram em manteigas de ervas, molhos de iogurte e limão e vinagretes para tomate. Dão leveza a polvo, peixe grelhado e até a arroz de marisco (com parcimónia).
Regra de hospitalidade: servir à parte quando há céticos — salva amores e evita guerras.
Folha, caule, semente, raiz: quatro faces da mesma erva
-
Folhas: verdes e tenras; no fim da confeção (cozinhar muito mata o perfume).
-
Caules: finos e aromáticos; no refogado, dão sabor sem dominar.
-
Sementes (frutos secos): quentes e cítricas; brilha em pickles, marinadas, pães, enchidos, caril em pó e licores — torrar e moer na hora.
-
Raízes: tesouro tailandês/vietnamita; esmagadas com alho e pimenta, levantam qualquer caldo. (Por cá, raras — guardar quando vier planta inteira.)
Por que há quem diga “sabe a sabão”? Há genética no desgosto: variantes no recetor OR6A2 fazem detetar aldeídos como “sabão” ou “metálico”. Há também cultura: quem cresce a comê-los tende a aceitá-los melhor. Tradução prática: não vale discutir. Respeitar é a melhor técnica — e há truques para aproximar paladares.
Saúde: entre a lenda afrodisíaca e a ciência
-
Folhas: discretas fontes de vitamina K e antioxidantes; baixas em calorias.
-
Sementes: ricas em linalol; estudadas por potenciais efeitos digestivos e antimicrobianos (uso culinário).
-
Segurança: adequadas à maioria; quem usa varfarina deve manter consumo estável; alergias são raras; na gravidez, quantidades culinárias são adequadas (evitar suplementos/óleos sem orientação).
Afrodisíaco? Se for, começa no prato que sorri.
Comprar, guardar, usar: o kit de sobrevivência Escolher: molhos viçosos, sem amarelecer; cheirar — fresco, não metálico. Guardar:
-
Ramo em jarra: cortar 1 cm da base; copo com água no frigorífico; cobrir com saco perfurado; trocar água a cada 2 dias.
-
Método do papel: lavar, secar muito bem, enrolar em papel, caixa fechada.
-
Congelar: picar e congelar em gelo com azeite (perde crocância, mantém sabor).
-
Pesto de coentros: coentros + amêndoa/caju + alho + limão + azeite + sal (vai com peixe, legumes assados, cuscuz).
Quando usar: folhas no fim (ou cruas); caules no início; sementes torradas 1–2 min e moídas antes de usar.
Reconciliações à mesa: truques para os céticos
-
Meio-termo: salsa + coentros (50/50) — resulta mais redondo.
-
Cítrico: raspa de lima + salsa imita parte do “brilho” sem o tal “sabão”.
-
Infusão breve: ramo inteiro no molho quente; retirar antes de servir — fica o eco, não a voz.
-
Picado fino: quanto maior o pedaço, mais explosão; miúdo suaviza.
Três ideias portuguesas (rápidas) para pôr a trabalhar 1) Amêijoas “Bulhão Pato” sem pressa Azeite + muito alho laminado (lume brando) → amêijoas lavadas + vinho branco + tampa → abriram? Coentros, pimenta, limão. Pão bom. 2) Salada morna de grão com bacalhau e coentros Cebola roxa + alho em azeite → grão cozido + lascas de bacalhau escaldado → fora do lume: coentros, vinagre de vinho tinto, sal, pimenta. 3) Vinagrete verde para peixe grelhado Azeite + vinagre de sidra + coentros + raspa/sumo de limão (+ piri-piri opcional) → triturar → deitar sobre peixe ainda quente.
Sementes: ouro discreto no armário Brilham em escabeches, pickles, queijos frescos, leguminosas estufadas e massas de pão de especiarias. Mistura feliz (almofariz): 2 partes sementes de coentro : 1 parte cominhos + pimenta. Torrar, moer, guardar. Levanta frango assado, borrego, cenoura no forno, abóbora assada.
Perguntas que aparecem sempre “Posso substituir por salsa?” Pode — mas não é igual. Para frescura sem traço de coentros: salsa + raspa de lima. “E se só houver coentros meio cansados?” Transformar em pesto, manteiga de ervas ou óleo aromatizado (triturar com azeite e coar). “Posso usar caules grossos?” Pode — picar fino e usar no refogado; guardam as folhas para o fim.
Pequena cronologia (para quem gosta de raízes)
-
Neolítico (Grécia): vestígios arqueológicos de uso.
-
Egipto antigo: sementes em túmulos.
-
Mundo romano: difusão pelo Império.
-
Medievo europeu: hortos e boticas (mais medicinal no norte).
-
Al-Andalus: entrada vigorosa na Península; do sul irradiam para as mesas.
-
Portugal: ganham cidadania alentejana e algarvia; com as rotas globais, abraçam sabores de África, Brasil e Ásia.
No fim, o que importa (talvez o único consenso) Os coentros não pedem unanimidade — pedem momento. Chegam ao tacho como quem abre a janela: entram e arejam. Em Portugal, contam histórias de pão, azeite, marisco e copos de branco ao fim da tarde. São verão a meio do inverno, memória quando a memória falha.
E se alguém disser “não suporto”, ficam num pratinho à parte. Porque a cozinha — como a vida — melhora quando cabe toda a gente. E quando um punhado verde, picado no fim, lembra que o simples ainda comove. by myfoodstreet 2023

GLOSSARIO |
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global
PROCURA NO PORTAL DAS COMUNIDADES
ROTEIRO DO REGRESSO A PORTUGAL |
PORTUGAL ESSENTIALS |
100 DICAS PARA TER À MÃO, 100 DIAS SEM TENSÃO |
BLOCO DE NOTAS, CRONICAS E CONTEÚDOS, PARTICIPA! |
ESCRITOR ADEMIR RIBEIRO SILVA |




















Entrar
Eingeben
Entrer