A Amêndoa: o Fruto Dourado do Mediterrâneo

Raízes antigas, uma viagem milenar e o sabor que atravessa civilizações.

Raízes antigas e uma viagem milenar

A amêndoa, fruto da amendoeira (Prunus dulcis), pertence ao género Amygdalus, próximo das ameixeiras e dos pêssegos.
Com origem provável na Ásia Menor — região fértil e antiga que corresponde ao atual território da Turquia — a sua presença está documentada desde tempos remotos.

É mencionada nas inscrições babilónicas e hititas, e até no Antigo Testamento, onde surge como um dos raros frutos secos de prestígio, ao lado do pistácio.
Desde a pré-história, a amêndoa viajou para oeste, acompanhando as rotas comerciais e culturais das primeiras civilizações mediterrânicas.

Encontraram-se amêndoas fossilizadas sob o palácio de Cnossos, em Creta, e também nos depósitos da Idade do Bronze de Hagia Triada — testemunhos de que o homem já valorizava este fruto pela durabilidade e sabor.

Os gregos e romanos herdaram esse apreço.
Os romanos chamavam-lhe nux graeca — “noz grega” — em homenagem aos gregos, que a introduziram no seu império.
Para os romanos, a amêndoa era símbolo de fertilidade e prosperidade, lançada sobre os noivos em celebrações matrimoniais — tradição que ainda ecoa nas amêndoas cobertas das festas portuguesas.
A amêndoa nasceu como fruto e cresceu como símbolo.

Da Ásia a Portugal: uma árvore que floresce com poesia

A amendoeira chegou à Península Ibérica trazida pelos árabes, entre os séculos VIII e IX.
Adaptou-se com perfeição aos solos secos e ensolarados do sul de Portugal, especialmente no Algarve, onde as flores brancas e rosadas transformam o inverno numa promessa de primavera.

Dizia o poeta árabe Ibn Ammar que “as amendoeiras florescem quando o frio ainda sonha” — e essa imagem ainda vive nas encostas algarvias, onde o branco das flores cobre os montes como neve efémera.

Em Portugal, a amêndoa tornou-se símbolo de pureza, esperança e amor.
As amêndoas doces cobertas de açúcar, que surgem na Páscoa, têm origem na tradição conventual e mantêm viva a memória dos doces árabes e dos antigos banquetes monásticos.

Do Algarve a Trás-os-Montes, o cultivo moldou a paisagem e a economia.
Hoje, a amêndoa de Moncorvo e a amêndoa do Douro Superior são reconhecidas pelo sabor intenso e pela qualidade excecional.

Uma história de reis, cruzados e alquimistas

Na Europa medieval, a amêndoa era tesouro culinário e medicinal.
O imperador Carlos Magno ordenou que amendoeiras fossem plantadas nos domínios do império carolíngio, reconhecendo o seu valor alimentar e simbólico.

Nos séculos seguintes, o fruto ganhou importância nas cozinhas dos mosteiros e palácios.
O mais antigo livro de receitas francês, de cerca de 1300, descreve o leite de amêndoas — ingrediente essencial nos molhos medievais, usado em substituição do leite animal durante o jejum.

Mesmo em regiões frias, como a Inglaterra, onde a amendoeira não florescia, o leite de amêndoa era importado e altamente valorizado.

Durante as Cruzadas, os cavaleiros europeus trouxeram do Oriente um doce sedutor: o maçapão, feito com amêndoas, mel e água de rosas.
Com o tempo, o açúcar substituiu o mel, e o doce transformou-se numa das joias da pastelaria europeia.

No século XVIII, em tempos de escassez, começaram a usar-se caroços de pêssego e alperce como substitutos — um reflexo de como o valor da amêndoa se mantinha inatingível.
Entre reis e monges, a amêndoa foi alimento, símbolo e feitiço de doçura.

A amêndoa: entre o veneno e o remédio

Nem todas as amêndoas são iguais.
Existem as amêndoas doces (var. communis), próprias para consumo e pastelaria, e as amêndoas amargas (var. amara), que contêm até 8% de amigdalina, um glicosídeo que liberta cianeto quando metabolizado.

O sabor intenso e amargo denuncia a toxicidade:
5 a 12 amêndoas amargas podem ser fatais para uma criança e cerca de 60 para um adulto, segundo antigos compêndios botânicos.

Contudo, o calor neutraliza o veneno — por isso, a cozedura e a torrefação tornam-nas seguras, razão pela qual foram usadas durante séculos em poções, unguentos e remédios.

A medicina antiga atribuía-lhes propriedades digestivas, afrodisíacas e protetoras contra o álcool.
O naturalista Elsholtz, no século XVII, contava que “um médico do imperador Tibério podia beber sem se embriagar depois de comer seis amêndoas amargas.”

Duvidosa, mas reveladora: a amêndoa foi sempre remédio, mito e metáfora de equilíbrio.

Do Mediterrâneo à Califórnia: o império moderno da amêndoa

Com o passar dos séculos, a amendoeira espalhou-se por todo o mundo.
Hoje, 99% da produção norte-americana concentra-se na Califórnia, responsável por metade da produção mundial.

Segue-se a Espanha, com vastos campos em Castela e na Andaluzia, e depois a Itália, sobretudo a Sicília e a Apúlia — regiões onde a amêndoa é parte inseparável da gastronomia local.

Portugal mantém um lugar distinto, não pelo volume, mas pela qualidade.
As amêndoas portuguesas, especialmente as do Douro Superior, Trás-os-Montes e Algarve, são reconhecidas pelo sabor intenso, textura firme e aroma floral.

A produção tradicional ganha hoje nova vida com técnicas sustentáveis, valorização do produto nacional e respeito pelo território.
Poucas árvores florescem no inverno; a amendoeira faz dele promessa.

A arte doce da amêndoa

A amêndoa é a joia da pastelaria portuguesa.

Está presente nos doces conventuais de Amarante, Portalegre e Alcobaça, nas queijadas, morgados e lampreias de amêndoa, e nas amêndoas cobertas de açúcar ou chocolate, que anunciam a primavera e a Páscoa.

Mas o seu reinado absoluto é o maçapão — doce antigo, moldável e aromático, que em Portugal ganhou brilho especial no Algarve.
Feito com amêndoas moídas, açúcar e claras de ovo, o maçapão algarvio é modelado à mão em pequenas frutas e flores, com um realismo encantador.

É a união perfeita entre arte e doçura — uma tradição que atravessa séculos e resiste ao tempo.

Símbolo, sabor e memória

Mais do que um fruto, a amêndoa é símbolo de vida e renascimento.
A sua floração precoce, no coração do inverno, é vista como sinal de esperança, e a brancura das pétalas simboliza pureza e renovação.

No campo português, ver uma amendoeira em flor é assistir à promessa do novo ciclo agrícola e à beleza simples da paisagem rural.

A amêndoa é também memória coletiva — das feiras antigas, das festas de Páscoa, dos doces de avós, do perfume do campo e do calor das lareiras.
Carrega em si o sabor do Mediterrâneo e a doçura da história humana.
A flor do inverno é também o seu coração quente.

Reflexão final

A amêndoa é um paradoxo natural: delicada mas resistente, doce e amarga, alimento e símbolo.

É o resultado de uma longa viagem — da Ásia às planícies do Douro, das cozinhas medievais aos laboratórios modernos — sempre associada ao requinte, à fertilidade e ao prazer.

Cada amendoeira florida é um testemunho da persistência da vida.
E cada amêndoa, ao ser partida, revela o que a natureza tem de mais precioso: a simplicidade perfeita envolta em mistério.
Assim é a amêndoa — a flor do inverno, o ouro do Mediterrâneo, o doce que a história nunca deixou morrer. by myfoodstreet 2023

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