Abóbora: mitos que iluminam a noite, sabores que aquecem a casa

Sobre como o cinema reacendeu um antigo ritual, porque é que um nabo deu lugar a uma abóbora, e de que forma Portugal a transformou em sopa, doce e memória.

Quando o medo acendeu uma vela dentro de um fruto

A primeira vez que se ouviu falar de Halloween veio do cinema.
No ecrã, uma pequena cidade americana e um assassino mascarado empurravam a imaginação para o abismo.

O filme correu o mundo, a palavra Halloween colou-se ao ouvido, e a abóbora com rosto — cavada e iluminada — instalou-se como símbolo.
O cinema fez barulho, mas o que reentrou pela porta europeia foi, afinal, uma tradição muito mais antiga.
Do medo nasceu uma luz. E dentro dela, um símbolo.

Antes do cinema: Samhain, santos e o que ficou do outro lado do mar

Muito antes dos candeeiros elétricos, as fogueiras rasgavam a noite.
No final de outubro, os celtas celebravam o Samhain — fim do verão, contas feitas à colheita e a sensação de que o mundo dos vivos e dos mortos afinava as suas fronteiras.

A Igreja sobrepôs o Dia de Todos os Santos (1 de novembro) e o Dia de Fiéis Defuntos (2 de novembro), e a tradição foi-se misturando, como acontece quando os calendários mudam mas os corações insistem.

Quando a fome empurrou irlandeses para a América no século XIX, a festa atravessou o Atlântico e ganhou sotaque novo.
Lá, o nabo esculpido da lenda de Jack O’Lantern foi trocado por algo maior, mais luminoso e mais abundante: a abóbora.
O resto é a história de um brilho laranja a multiplicar-se em varandas.

Portugal entre velas e pão: o nosso “Pão-por-Deus”

Em Portugal, o Pão-por-Deus é tradição antiga de 1 de novembro, em que as crianças pedem “bolinho” porta a porta, de saco na mão e sorriso aberto.

Em muitos lugares, a prática sobrevive; noutros, cruza-se com o “doce ou travessura” importado.
O resultado é um outubro mais vivo: escolas fazem lanternas, mercados enchem-se de abóboras-menina, manteiga, hokkaido e de chila (gila) para o doce.
A memória antiga e a modernidade aprenderam a conversar.

De onde vem, o que é: a família grande da abóbora

“Abóbora” diz muita coisa ao mesmo tempo. É Cucurbita em latim — e uma família inteira na banca:
  • Abóbora-menina: clássica portuguesa, polpa doce e cor vibrante; ótima para sopas, assados e purés.
  • Abóbora-manteiga (butternut): de casca bege, polpa densa, doce e cremosa.
  • Hokkaido (ou kabocha): pequena, casca alaranjada ou esverdeada, sabor de avelã.
  • Spaghetti: fibras em fios, divertida para gratinados leves.
  • Chila / Gila: rainha dos doces conventuais, com requeijão ou sozinha, brilha em fios brilhantes.
No campo português — Ribatejo, Oeste, Beira Interior e Alentejo — cresce com gosto: ama sol, calor e terra bem drenada.
Colhe-se no fim do verão, cura-se ao ar e guarda-se em local fresco durante meses.

Da horta à mesa: o sabor na sua melhor forma

Assar é meio caminho para a felicidade

Cortam-se gomos grossos, tiram-se as sementes, tempera-se com azeite, sal, pimenta e tomilho, e leva-se ao forno.
Carameliza nas bordas, concentra doçura, ganha textura que se desfaz.
Sopa sedosa, puré, risotto ou apenas abóbora assada — tudo começa no forno.

Sopas que abraçam

Salteiam-se cebola e alho em azeite, junta-se abóbora e cenoura, cobre-se com caldo e deixa-se ferver.
Um fio de leite ou iogurte dá maciez; gengibre aquece, laranja ralada e coentros trazem Portugal à colher.

Salgados com alma
  • Arroz malandrinho de abóbora com coentros.
  • Caril leve de abóbora e grão com espinafres.
  • Tarte rústica de abóbora com requeijão, noz e mel.
  • Lasanha de abóbora com sálvia e queijo São Jorge.

Doces que a memória reconhece
  • Doce de abóbora com canela e limão.
  • Doce de chila em fios brilhantes.
  • Broas e sonhos de abóbora no Natal.

Sementes que não se deitam fora

Lavam-se, secam-se e torram-se com sal e pimentão-doce.
Cro-croc: perfeitas para snack ou para dar vida às sopas.

Escolher bem, guardar com cabeça

Peso e firmeza: deve parecer pesada para o tamanho.
Pedúnculo: seco e curto.
Casca: intacta, sem cortes nem manchas moles.
Armazenar: local seco, ventilado e fresco.
Depois de abrir: guardar no frio e consumir em até 5 dias.

Nota de segurança: se estiver amarguíssima ou com cheiro estranho, não se come.
Pode conter cucurbitacinas, substâncias naturais mas irritantes. O paladar avisa — e é bom ouvir.

Nutrição: leve, rica e do lado do coração

A abóbora é amiga do estômago e do calendário:
  • Poucas calorias, muita água e fibra.
  • Beta-caroteno (provitamina A): boa para a pele e visão.
  • Potássio e vitamina C em doses equilibradas.
  • Pevides com gorduras boas e magnésio.
Saúde não é grito; é repetição serena.
Uma sopa por semana, um assado ao domingo — o corpo agradece em silêncio.

Halloween à portuguesa: lanternas e respeito pelo desperdício

Para esculpir uma abóbora:
  1. Desenha-se o rosto e corta-se a tampa em ângulo.
  2. Retiram-se sementes e reserva-se a polpa.
  3. Seca-se o interior e polvilha-se com sal grosso.
  4. Ilumina-se com vela ou LED.
  5. Depois da festa, cozinha-se o que sobrou ou faz-se composto.
E no lugar do pedido estrangeiro, há sempre o Pão-por-Deus — com palavras doces, sacos de pano e broas trocadas entre mãos.

Agricultura e sustentabilidade: o outono que alimenta o inverno

A abóbora é boa vizinha na horta: quebra ciclos de pragas, cobre o solo, reduz evaporação e ervas daninhas.
Cresce bem com milho e feijão — uma trindade antiga que continua sensata.

No prato, é ponte económica: barata, versátil, duradoura e nutritiva.  
by myfoodstreet 2023

GLOSSARIO

GLOSSARIO

CULINARIUM XXI

MyFoodStreet, sobre Saberes dos Sabores e mais...
Abóbora, os mitos que iluminam a noite
Adão, Eva e a maçã
Alho, entre o feitiço e a cura
Alimentação alternaiva
Amendoa, o fruto do mediterrâneo
Arca de Noé, uma tábua de salvação
Arte de Cozinha, Primeiro tratado gastronómico português
Arte de Cozinha, Contexto histórico da edição
Arte de Cozinha, Vocabulário usado
Arte de Cozinha, Receitas da Corte
Arte de Cozinha, Impacto na Gastronomia de hoje
Arte de Cozinha, e a doçaria conventual
Arte de Cozinha, das origens até aos nossos dias
Azeite uma dádiva dos deuses
Azeite, o ouro verde
Bebidas e alimentos, os inseparáveis
Bebidas refrigerantes
Café, uma viagem longínqua
Café, o acorda mundos
Carne Kobe, o sabor que derrete
Carpaccio, uma lenda veneziana
Cerveja... uma história de papas
Chocolate, entre o pecado e o jejum
Código “E”, o pão nosso de cada dia
Coentros, a erva que divide
Comida enlatada, do campo de batalha à despensa
Culinária no Antigo Testamento, celebrações biblícas
Descobertas maritímas e a sua importância na nossa gastronomia
Descobertas maritímas intercâmbio de culinária
Doce negócio do vício
Domínio da água
Eça de Queirós e os banquetes
Eça de Queirós e o Caldo Verde
Os Maias, a mesa de Eça
Escoffier, o arquitecto da cozinha moderna
Espargos... uma história secular
Falsificadores e intrujões
Fast Food... e Ketchup
Fernando Pessoa, à mesa com o poeta
Ferran Adrià, o alquimista da cozinha moderna
Gastronomia, séculos de descoberta
Grande ilusão do jardim natureza
Hamburger, a história do sucesso
Ler com Sabor
Literatura vs. Gastronomia
Livros de cozinha na história
Margarina... Manteiga dos pobres
Mesa Romana... entre manjares e o vomitorium
Molho Inglês, no segredo dos deuses
Nutrição, Género e Cultura
Pão, o Azeite e o Vinho
Paul Bocuse, a cozinha de mercado
Paul Bocuse, o legado
Pepsi, diretamente da farmácia
Revolução à mesa
Sementes ao poder... ou o poder das sementes
Sementes patenteadas... sobre o domínio da natureza
Sementes controladas... a fatura
Sementes... e a resistência em nome da natureza
Sementes... e a evolução no futuro
Silêncio á mesa
Slow Food, o retorno da cozinha lenta
Slow Food Portugal, a genuinidade nas marcas
Sumol, a bebida que também é saudade
Verdade dos livros
Vinho... uma parte da história
Vinho do Porto, marca nacional
Vinho Verde, regional
CULINARIUM XXI
INDEX CULINARIUM XXI, Divulgação Global
3. O APARELHO DIGESTIVO        
4. A TEORIA DOS PRODUTOS        
13. AS ENTRADAS, ACEPIPES         
24. A COZINHA FRIA         
25. SOBRE SOBREMESAS          

Restaurantes O QUE SE DIZ POR AI

CULINARIUM XXI

CULINARIUM XXI

APOIA

CULINARIUM XXI

 

Grito de Raiva

PROCURA NO PORTAL DAS COMUNIDADES

 
ROTEIRO DO REGRESSO A PORTUGAL
PORTUGAL ESSENTIALS
100 DICAS PARA TER À MÃO, 100 DIAS SEM TENSÃO
BLOCO DE NOTAS, CRONICAS E CONTEÚDOS, PARTICIPA!
ESCRITOR ADEMIR RIBEIRO SILVA

CONTEÚDOS
Crónicas do jornalista Daniel Bastos
Fundação NOVA ERA JEAN PINA espalha solidariedade em Portugal
Avintes evocou legado dos emigrantes
Relembrar Ausschwitz
O altruísmo dos emigrantes em prol dos bombeiros
Duarte Fernandes: empreendedor e benemérito da comunidade portuguesa na ilha de Jersey
José Luis Vale: um exemplo do potencial dos empreendedores da diáspora
A generosidade dos emigrantes em prol dos Bombeiros
José Costa: um emigrante empreendedor de referência na comunidade portuguesa na Andorra
Em torno da mobilidade
POSSO: uma associação de referência ao serviço da comunidade luso-americana em S. José
Memórias de um Futuro Radioso
A benemerência dos emigrantes em prol dos Bombeiros
A oposição à ditadura nas comunidades portuguesas da América do Norte
Porto José Batista apresentou “O Homem de Duas Sombras”
Porto foi palco de apresentação do livro “Memórias da Ditadura”
Daniel Bastos apresenta livro sobre as comunidades portuguesas
A paixão pelo vinho português na Diáspora
Nathalie Afonso: uma artista plástica lusodescendente inspirada na cultura portuguesa
Ano Novo: tempo de novas dinâmicas nas Comunidades Portuguesas
Paul Pereira: um dedicado “mayor” luso-americano em Nova Iorque
A solidariedade das comunidades portuguesas em prol dos Bombeiros
Práticas e Políticas-Inspiradoras e Inovadoras com Imigrantes
O fenómeno da emigração na música portuguesa
A (re)valorização da música portuguesa no seio da lusodescendência
Transatlântico-As migrações nos Açores
In memoriam Felicia de Assunção Pailleux
Comendador José Morais: um self-made man luso-americano
O Museu Etnográfico Português na Australia
Pobreza, pandemia e solidadriedade na comunidade portuguesa na França
Museu da Família Teixeira: um tributo ao legado migratório luso-venezuelano
Envelhecer nas Comunidades Portuguesas
A rede museológica dedicada à emigração portuguesa
Patoá, um idioma de origem portuguesa em vias de extinção
A presença portuguesa no Museu da Imigração do Canadá
O Festival das Migrações, Culturas e Cidadania em tempos de pandemia
A oposição ao Estado Novo nas comunidades portuguesas da América do Norte
Os apoios constantes de emigrantes portugueses às corporações de bombeiros
 

Gostas de Escrever

OFioDaNavalha, crónicas para usares e abusares... copia, altera, faz tuas as palavras...
A arte de ser feliz!
A capacidade de aprender
A casa às costas
A culpa...
A força das palavras
A força de acreditar...
A ilha deserta...
A pele... que se veste
A sociedade perdeu o pio
A teia...
A vida acontece todos os dias
Ajuste de contas
As palavras ditas
Banal realidade
Cada qual com a sua realidade
Caminhos da felicidade
Coisas que não digo
Cuida dos teus talentos
Decide-te... agarra a tua vida...
Derrotas
Desilusões... que ensinam a viver
Dias vazios
Enredo que herdei
Entre nascer e morrer
Esperas e outras horas vazias...
Quando tudo é pouco...
Hoje é o melhor dia de sempre...
Impossivel fazer alguém fel
Manual de instruções...
Não me roubem o mar...
Outro dia... Outro lugar
O circo de feras
O fio da navalha
O fogo que arde em ti... convicção!
O homem livre
O jogo da vida
O mar sem sal
O princípio é o fim!
O Senhor Contente
O significado da felicidade...
O soldadinho de chumbo
Onde fui... quando desapareci
Os dias diferentes...
Os intocáveis...
Outubro e os sonhos
Outro dia … outro lugar...
Pessoas felizes, vivem mais tempo!
Prisões invísiveis
Quem és tu?
Se... houver justificações
Ser ou não ser...
Sobre a vaidade
Sobre marcas nas paredes
Sobre medos no caminho...
Sobre perguntas e respostas
Sobre as perdas de tempo
Super Homem versão 2020
Tempos passados...
“A Água É Mole A Pedra É Dura” crónicas de opinião, participa...
ÁguaMoleEmPedraDura... Opinião!
A China dos anos 00 do século XXI
A China dos anos 20 do século XXI
A China dos anos 80 do século XX
A guerra da água...
As Rotas da Seda!
Dinheiro contra o bom comportamento
Imparáveis e Implacáveis... o barato às vezes sai caro
Os campeões das vacinas!
Uns agonizam... outros fazem a festa...
União Europeia... tão amigos que éramos...
DEIXA-ME RIR, crónicas de gozo com os cenários à nossa volta...
Deixa-me rir... o dia-a-dia com graça
A cabeça na mochila
Aventura UBER em Portugal
Americanos... só com Ketchup
A galinha existencialista
Benfica e o VAR
Brasileiros... mais que samba
Chineses... ou como viver num caos organizado
Corrupção... o desporto nacional
Espanhóis, tão perto e tão longe
Portugal real ou surreal
Suíça terra de sonho

 

Pub

saberes&sabores

Pub

Pub

Pub