
Para Salvar o Sabor dos Tomates Quando a ciência toca o coração da natureza Há sabores que carregam memórias. Quem nunca mordeu um tomate colhido diretamente da horta da avó e sentiu um mundo inteiro a despertar no paladar? O sabor dos tomates — verdadeiros, suculentos, vibrantes — está a desaparecer. E com ele, algo mais profundo: a nossa ligação ancestral à terra, ao tempo e ao alimento autêntico. Face a esta perda, surge a tentação inevitável de recorrer à ciência — à modificação genética — para preservar o que nos escapa pelos dedos. Mas, será que vale tudo para salvar o sabor de um fruto?
A urgência de um resgate Numa era de agricultura intensiva, monoculturas, solos empobrecidos e ciclos produtivos desenfreados, os tomates que hoje enchem os supermercados são, muitas vezes, pálidos reflexos do que foram. Bonitos por fora, insípidos por dentro. Perderam os açúcares naturais, a acidez equilibrada, o perfume quase floral. E porque nos recusamos a aceitar esta perda como inevitável, olhamos para os laboratórios. Talvez a resposta esteja em manipular os genes, reforçar resistências, recriar sabores antigos com técnicas modernas. Afinal, se podemos modificar um tomate para que dure mais tempo na prateleira, por que não fazê-lo também para que saiba como antes?
Entre avanços e abismos Contudo, cada passo dado nesse território genético é, também, um salto para o desconhecido. Com uma intensidade que varia de caso para caso, cada libertação de uma planta geneticamente modificada é um teste de stress aos ecossistemas. A ciência já demonstrou que plantas transgénicas, uma vez introduzidas no meio ambiente, podem tornar-se “selvagens”, escapando ao controlo humano e propagando-se. E, com essa propagação, podem competir com outras espécies, deslocando variedades autóctones, enfraquecendo biodiversidades frágeis e, em última análise, alterando equilíbrios ecológicos que demoraram milénios a construir-se.
A linha ténue do imprevisível É essencial reconhecer: não existe certeza absoluta. Por mais controlados que sejam os ensaios e mais rigorosos os protocolos, não podemos excluir a hipótese de que genes introduzidos artificialmente se transmitam para outros organismos. Transferências genéticas “raras”, teoricamente improváveis, podem acontecer em algum momento, em algum lugar. E basta uma única ocorrência para que o efeito dominó se inicie. Um gene, por exemplo, inserido para criar resistência a um vírus, pode ser captado por outra espécie — e aí, o seu impacto é impossível de prever com exactidão. E se esse gene for um envelope viral, introduzido para tornar uma planta imune a infeções, como saberemos com segurança que não interferirá com outras inter-relações naturais, moldadas por milhões de anos de coevolução? A verdade é dura e simples: não sabemos.
O paradoxo do progresso Vivemos num paradoxo inquietante: usamos a tecnologia para corrigir os estragos que ela própria ajudou a causar. Procuramos salvar o sabor dos tomates — que perdemos por culpa da industrialização agrícola — através da manipulação genética, uma técnica nascida do mesmo modelo de eficiência que matou o sabor original. Estamos a apagar incêndios com gasolina. O progresso não é o vilão. A ciência é uma das maiores expressões do engenho humano. Mas quando utilizada sem reflexão, sem humildade, sem escuta da natureza, corre o risco de criar mais problemas do que aqueles que tenta resolver.
Sabores que pedem tempo Talvez o verdadeiro caminho para resgatar o sabor dos tomates não passe por laboratórios, mas por voltar a dar tempo ao que o tempo constrói melhor do que nós. Variedades antigas, cultivadas localmente, adaptadas ao solo e ao clima. Agricultores que conhecem a terra, não como um recurso, mas como um organismo vivo. A agroecologia, a permacultura, a agricultura regenerativa — estas não são utopias românticas, mas caminhos viáveis e cada vez mais estudados para produzir alimentos com qualidade, sabor e responsabilidade ecológica. Porque salvar o sabor dos tomates é mais do que salvar um gosto. É salvar uma relação com o mundo, uma forma de estar, uma cultura agrícola que valoriza o cuidado, a escuta e a diversidade.
E se… parássemos para ouvir? Antes de modificarmos geneticamente mais uma planta, talvez devêssemos parar. Respirar. Olhar em redor e perguntar à terra o que ela precisa — e não apenas o que queremos dela. O sabor dos tomates é um sinal. Um sintoma. Um lembrete de que quando rompemos os laços com a natureza, perdemos mais do que conseguimos quantificar. Mas também é um convite. Para voltarmos. Para escolhermos um caminho onde o saber científico se alie à sabedoria da terra, e onde a inovação não seja feita à custa da integridade ecológica, mas em sintonia com ela.
O futuro é um campo por semear Não precisamos de escolher entre ciência ou natureza. O verdadeiro desafio é integrá-las de forma responsável, crítica e sensível. Porque salvar o sabor dos tomates não é apenas uma questão de paladar — é uma questão de futuro.
by myfoodstreet.pt 2025


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