
As Décadas que Mudaram o Prato: Anos 80 e 90 e o Despertar dos Transgénicos Um mundo em aceleração As décadas de 1980 e 1990 foram mais do que um período de viragem cultural ou tecnológica. Foram anos em que a ciência ousou tocar no coração da vida, inaugurando uma era em que biologia e engenharia se deram as mãos para alterar a forma como produzimos e consumimos alimentos. Até então, o prato humano era fruto de um ciclo antigo: semente, terra, alimento. Mas, de repente, esse ciclo começou a ser redesenhado em laboratórios. Nascia a era dos transgénicos.
O fascínio de criar vida programada Na década de 80, o mundo vibrava com computadores pessoais, satélites e a queda de muros. Ao mesmo tempo, em salas discretas, investigadores descobriam como reescrever o ADN das plantas. A promessa era ousada, quase messiânica:
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Colheitas mais resistentes a pragas.
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Plantas capazes de suportar secas e solos pobres.
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Alimentos enriquecidos para combater deficiências nutricionais.
Pela primeira vez, o ser humano não apenas selecionava sementes. Programava-as.
Os primeiros ensaios ao ar livre Petúnias, tomates, batatas e milho foram as primeiras cobaias de campo. Os genes de uma bactéria ou de outra planta eram inseridos, e o resultado crescia à luz do sol, perante olhares curiosos e desconfiados. Em 1990, em Colónia, as famosas petúnias geneticamente modificadas mudaram de cor de forma inesperada, lembrando que a natureza não lê manuais de instruções. Cada gene era uma porta aberta para o imprevisível.
A promessa da abundância global Nos anos 90, com a globalização e o crescimento populacional, o discurso tornou-se claro: os OGM (Organismos Geneticamente Modificados) seriam a resposta à fome no mundo.
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Milho resistente a insetos.
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Soja tolerante a herbicidas.
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Arroz dourado enriquecido com vitamina A, para combater a cegueira infantil causada por deficiências nutricionais.
Parecia possível, finalmente, resolver o dilema eterno da humanidade: produzir alimento suficiente para todos.
As primeiras sombras de desconfiança Mas, à medida que os transgénicos chegavam aos supermercados — primeiro discretamente, depois com rótulos mais visíveis —, as dúvidas cresciam:
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Até que ponto os efeitos a longo prazo eram conhecidos?
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Como impedir que genes artificiais se espalhassem sem controlo para ecossistemas vizinhos?
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Quem detinha o verdadeiro poder: os agricultores ou as multinacionais que patenteavam as sementes?
O consumidor, de repente, já não escolhia apenas entre maçãs mais vermelhas ou menos. Escolhia se confiava ou não num alimento criado em laboratório.
O prato como palco de ética Os anos 80 e 90 transformaram o ato de comer. Já não se tratava apenas de nutrição, mas de ética, economia e identidade cultural. Um simples tomate podia carregar perguntas profundas: Será seguro? Será justo? Quem decide o que entra no meu prato? A comida deixou de ser apenas sabor — passou a ser também ideologia.
Portugal e a Europa: prudência e controlo Enquanto os Estados Unidos adotavam rapidamente o milho e a soja transgénicos, a Europa seguiu um caminho mais cauteloso.
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Em 1998, a União Europeia criou legislação rigorosa para avaliação e rotulagem.
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Portugal participou nos primeiros debates, dividindo opiniões entre agricultores que viam oportunidade e consumidores que expressavam desconfiança.
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Nos anos 2000, ensaios com milho transgénico surgiram em campos portugueses, mas sempre cercados de polémica e manifestações.
Ainda hoje, em 2025, a Europa mantém a sua posição cautelosa: poucos OGM são cultivados, mas muitos chegam através da importação para ração animal.
Entre progresso e prudência As décadas de 80 e 90 deixaram uma herança dupla. Por um lado, mostraram que a engenharia genética podia revolucionar a agricultura, oferecendo soluções rápidas para problemas urgentes. Por outro, revelaram que não existem atalhos fáceis quando se mexe em sistemas vivos. A pressa em prometer abundância ignorou perguntas fundamentais sobre ecologia, biodiversidade e saúde humana. O milho que resistia a insetos alterava também populações de borboletas locais. O arroz dourado levantava questões sobre dependência tecnológica em países pobres. O poder das patentes concentrava-se nas mãos de poucas multinacionais.
O despertar da consciência coletiva Hoje, olhando para trás, vemos que os anos 80 e 90 foram o ponto de viragem. Foram décadas em que descobrimos que podíamos manipular o código da vida — e também que esse poder vinha carregado de incertezas. Foi nesse período que nasceram os grandes debates que ainda ecoam em 2025:
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O direito à rotulagem clara.
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A necessidade de biosegurança rigorosa.
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O dilema entre inovação científica e aceitação social.
Reflexão final: sementes de prudência Os transgénicos nasceram sob o signo da esperança, mas também sob o peso da dúvida. As décadas de 1980 e 1990 ensinaram-nos que o progresso não é linear e que cada avanço traz consigo uma responsabilidade coletiva. O prato deixou de ser apenas espaço de saciedade e tornou-se palco de decisões éticas e políticas. Talvez o maior legado dessas décadas não esteja nas variedades de milho, soja ou arroz que surgiram, mas na consciência nova que germinou: a de que a vida, mesmo reescrita em laboratório, continua a ter uma voz própria — e que cabe a nós escutá-la com humildade.
by myfoodstreet.pt 2025


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