
Agripa: Entre a Piedade Exibida e o Luxo do Porto A figura de Herodes Agripa, o último rei da Judeia, encerra simbolicamente uma era. Neto de Herodes, o Grande, Agripa nasceu em 10 a.C. e cresceu entre dois mundos irreconciliáveis: Jerusalém e Roma, a Lei e o poder, a aparência de piedade e o fascínio do luxo.
Uma infância moldada em Roma Após a execução do pai por ordem de Herodes, o Grande, Agripa foi levado pela mãe para Roma. Graças às suas ligações familiares, cresceu no coração do império, na corte imperial, rodeado de influência, ambição e intriga. Foi ali que desenvolveu a sua habilidade política e financeira, traço típico da dinastia herodiana. A sua vida conheceu ascensões rápidas e quedas abruptas. Endividado, chegou a ser preso, mas foi resgatado pelo amigo Calígula, que, ao tornar-se imperador, lhe concedeu o título de rei e, mais tarde, todo o antigo reino palestiniano do seu avô.
Popularidade construída em Jerusalém Na Palestina, Agripa soube conquistar o povo. Eliminou o domínio direto de Roma e restaurou, ainda que simbolicamente, o reino herodiano. Em Jerusalém, apresentava-se como rei piedoso, cumpridor da Lei judaica, respeitador do Templo e atento às tradições. Para manter esse apoio, estava disposto a perseguir os seguidores de Jesus, considerados hereges por muitos líderes religiosos. A fé tornava-se instrumento político, usada para apaziguar os ortodoxos e consolidar poder.
Cesareia: a outra face do rei Mas havia outro Agripa — aquele que surgia em Cesareia Marítima, antiga capital romana da Palestina. Nesta cidade portuária, cosmopolita e profundamente helenizada, o rei abandonava a aparência de piedade judaica e vivia segundo os costumes gregos e romanos. Mandou erguer estátuas de si próprio e das suas filhas, cunhou moedas com a sua imagem e rodeou-se de luxo. Cesareia era, por si só, uma afirmação de poder. Reconstruída por Herodes, o Grande, ao longo de doze anos, ostentava palácios, edifícios públicos de mármore branco e um feito de engenharia extraordinário: um porto artificial que avançava sessenta metros mar adentro, descrito por Flávio Josefo como estando “sempre protegido das ondas do mar”.
O porto, o mar e a mesa No tempo de Paulo, Cesareia era o principal porto da Palestina. O mar fornecia marisco fresco em abundância. À mesa do rei Agripa, saboreavam-se ostras frescas, lavagante e pratos requintados, por vezes enriquecidos com especiarias e trufas importadas. Conta-se que em Cesareia se preparavam mais de cem tipos diferentes de doces. Eram menos doces do que os atuais, feitos sobretudo com massa leve de pão, ovos, mel e especiarias. A partir dessa base, assavam-se bolos de múltiplas formas, celebrando a criatividade culinária do mundo romano. Os romanos ricos já experimentavam formas primitivas de refrigeração. Plínio relata o uso de neve conservada durante meses ou de água fervida e arrefecida para criar frescura artificial — sinais de uma humanidade que, então como hoje, não se contenta com os limites impostos pela natureza. A sofisticação do paladar caminhava lado a lado com a ostentação.
Entre Agripa e Paulo Foi em Cesareia que Paulo passou por momentos decisivos. A caminho de Jerusalém para celebrar Pentecostes, a sua pregação tornou-o alvo dos sacerdotes, que o acusaram de profanar o Templo ao permitir a entrada de não judeus. A hostilidade cresceu a tal ponto que um grupo jurou assassiná-lo. Por ser cidadão romano, Paulo foi colocado sob custódia protetora e levado de volta para Cesareia. Exigiu então o seu direito: apelou para o imperador. A audiência final teve lugar na presença de Agripa. “Este homem poderia ter sido libertado, se não tivesse apelado ao imperador.” (Atos 26:32)
O fim de um rei e o início de um caminho Guardado por um centurião, Paulo foi conduzido a um navio com destino a Roma. Agripa, o rei que viveu entre máscaras, ficou para trás. O poder permaneceu; a verdade seguiu viagem.
Uma reflexão para hoje A história de Agripa é profundamente atual. Revela o risco de viver em duplicidade, de adaptar a fé ao palco, de usar a religião como ornamento do poder. A mesa farta, o porto magnífico e o aplauso popular não foram suficientes para dar unidade à sua vida. Também na realidade portuguesa e europeia, onde tradição e modernidade convivem nem sempre em harmonia, esta figura interpela: quem se é quando mudam os cenários? A mesma pessoa no templo e no porto? Agripa escolheu o conforto do papel. Paulo escolheu o risco da verdade. E é por isso que o rei ficou na história como nota de rodapé, e o prisioneiro atravessou os séculos. myfoodstreet.pt 2025



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