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David: Entre o Exílio, o Pão Partilhado e a Mesa do Rei

Ser ungido rei por um profeta do Senhor enquanto o trono continua ocupado por um soberano inseguro e violento é, no mínimo, uma posição extremamente desconfortável — e, como a própria história demonstra, perigosíssima para a vida. David sabia-o bem. A unção não lhe trouxe de imediato a coroa, mas sim anos de fuga, incerteza e escassez.

En-Gedi: sobreviver escondido

Para escapar à perseguição do rei Saul, David refugiou-se na região montanhosa de En-Gedi, um território agreste, de grutas profundas e vegetação escassa, junto ao Mar Morto. Ali, a alimentação era simples, funcional e pensada para quem precisava de mobilidade, rapidez e sustento.

É plausível imaginar que David e os seus homens se alimentassem de estufados rústicos de carne, como o chamado estufado “En-Gedi”, nutritivo, fácil de preparar e ideal para quem vive em constante alerta. Para enriquecer estes pratos, utilizava-se frequentemente o “leben”, um iogurte espesso e aromático, muito comum no Médio Oriente antigo. A sua preparação tradicional é complexa, exigindo tempo e condições específicas; por isso, nas recriações modernas recorre-se a iogurtes mais leves, mas igualmente saborosos.

Quando David comia ervilhas com chalotas, é difícil não reconhecer a ironia histórica: a chalota deve o seu nome a Ascalom, cidade filisteia — o mesmo povo de onde vinha Golias, o gigante que David derrotara com uma funda e uma pedra. Até os alimentos carregam memória.

Viver da proteção e da justiça

Nem sempre era fácil garantir alimento. David e os seus seguidores sobreviviam protegendo rebanhos de ladrões e bandos armados, exigindo em troca um tributo justo aos proprietários. Era uma economia de sobrevivência, baseada na proteção e na lealdade.

Contudo, quando David enviou dez homens a Nabal, um homem rico mas arrogante, pedindo o que este quisesse oferecer em retribuição pela proteção recebida, foi insultado e humilhado. A resposta de Nabal quase desencadeou um banho de sangue.

Foi então que surgiu Abigail, sua esposa, descrita como “uma mulher inteligente e de bela aparência” (1 Samuel 25:3). Com lucidez e coragem, levou a David uma oferta generosa:

“Duzentos pães, dois cântaros de vinho, cinco ovelhas preparadas, cinco medidas de grãos torrados, cem bolos de passas e duzentos bolos de figo.”
(1 Samuel 25:18)

Mais do que alimentos, Abigail levou sabedoria, humildade e reconciliação. O seu gesto evitou a violência e ensinou a David uma lição que ele nunca esqueceria:

“Bendita seja a tua sabedoria… que hoje me impediste de derramar sangue.”
(1 Samuel 25:33)

Abigail: a sabedoria à mesa

Após a morte de Nabal, Abigail tornou-se esposa de David. Em sua memória, a tradição associa-lhe pratos que evocam equilíbrio e delicadeza, como o Cordeiro Abigail, temperado com hortelã — uma erva antiquíssima, tão presente na região como a própria Cidade de David.

Com a abundância de figos e uvas que Abigail trouxe, seria natural preparar sobremesas simples, como um rocambole de frutas da Judeia, onde o doce natural da terra se transforma em conforto e celebração. A comida, mais uma vez, surge como expressão de caráter.

Entre inimigos e mesas improváveis

Mesmo perto do fim dos seus longos anos de errância, David ainda não estava reconciliado com Saul. Chegou a oferecer os seus serviços aos filisteus, vivendo como vassalo entre antigos inimigos, combatendo em nome de quem não era o seu povo. Foi um período de solidão, fome e tensão constante.

É neste contexto que o Salmo 23 ganha uma profundidade comovente:

“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos… o meu cálice transborda.”

A mesa torna-se símbolo de proteção divina no meio da adversidade.

Do pastor errante ao rei construtor

Após a morte de Saul no Monte Gilboa, David iniciou o processo de unificar as tribos de Israel. Transferiu a capital de Hebron para Jerusalém, fortaleceu a cidade e dedicou-se à construção de um reino sólido e organizado.

O seu interesse pessoal pela guerra diminuiu. Em seu lugar, cresceu a preocupação com a gestão da terra e da abundância. O livro de 1 Crónicas (27:26–29) descreve a nomeação de supervisores específicos para vinhas, olivais, figueiras, gado e rebanhos:

“Estes eram todos supervisores dos bens do rei David.”
(1 Crónicas 27:31)

A abundância como responsabilidade

David tinha um apetite saudável, não apenas pelo alimento, mas pela vida. É natural imaginar que apreciasse os frutos das suas terras e os pratos preparados na cozinha real: pão fresco, azeite, vinho, carne, frutas secas e ervas aromáticas — elementos que ainda hoje definem a dieta mediterrânica, tão presente na tradição portuguesa.

Os Menus II e IV refletem este período de prosperidade, tranquilidade e serenidade. Não se trata de excesso, mas de abundância com sentido, fruto de anos de escassez, fidelidade e aprendizagem.

Uma mesa que conta uma vida

A história de David ensina que a mesa acompanha o coração humano: ora é escassa e partilhada em grutas, ora é generosa e celebrada em palácios. Também na realidade portuguesa, onde a comida continua a ser espaço de encontro, memória e identidade, esta narrativa recorda que o verdadeiro banquete não está apenas no que se come, mas em como se vive.

Porque, tal como David aprendeu, a abundância só é verdadeira quando nasce da justiça, da sabedoria e da gratidão.  myfoodstreet.pt 2025

 

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