
Moisés: Da Mesa do Faraó ao Pão do Deserto “Quando o menino cresceu, ela levou-o à filha do faraó, e ele tornou-se seu filho, e ela deu-lhe o nome de Moisés, pois disse: ‘Tirei-o das águas’.” (Êxodo 2:10) A vida de Moisés é marcada por contrastes profundos. Poucas figuras bíblicas atravessam de forma tão clara mundos opostos: do luxo absoluto da corte egípcia à austeridade extrema do deserto, da abundância ritualizada à dependência diária do pão que cai do céu. Também através da alimentação, a sua história revela uma poderosa narrativa espiritual e humana.
Criado como príncipe, nascido como hebreu Moisés nasceu hebreu, mas foi educado como filho adotivo da filha do Faraó, crescendo no coração de uma das civilizações mais sofisticadas do mundo antigo. A Bíblia pouco relata sobre esta fase inicial da sua vida, mas autores cristãos antigos, como Santo Ireneu, descrevem-no como general do exército egípcio, vencedor de campanhas militares e até casado com uma princesa etíope. Se este relato for histórico ou apenas tradição, pouco altera o essencial: Moisés viveu durante décadas imerso no esplendor da corte egípcia, participando inevitavelmente em banquetes, rituais e celebrações onde a comida era expressão máxima de poder, ordem e civilização.
O banquete egípcio: luxo, ritual e tempo Um banquete na corte do Faraó obedecia a uma cerimónia rigorosa. Os convidados chegavam por volta do meio-dia, em carruagens ou liteiras, e eram recebidos em aposentos perfumados com mirra e incenso. Servos ungiam-lhes a testa com óleos aromáticos, e água em bacias de ouro era oferecida para lavar mãos e pés — um gesto de hospitalidade e purificação. A música acompanhava toda a refeição. Harpa, lira, pandeireta, flauta e até instrumentos semelhantes à gaita de foles criavam uma atmosfera envolvente. Como refere Heródoto, bebia-se vinho e cerveja em taças de cobre e bronze, cada gesto carregado de simbolismo. O vinho seguia rituais distintos para homens e mulheres, e cada reposição vinha acompanhada de uma fórmula de bênção: “Que seja bem recebido” — um costume que, de forma adaptada, ainda sobrevive em várias culturas do Próximo Oriente.
Comer devagar, comer com sentido O Faraó e a rainha sentavam-se em cadeiras ricamente decoradas, cumprimentando formalmente cada convidado. A refeição começava com aperitivos, entre eles vegetais que se acreditava estimular o apetite pelo vinho. Seguiam-se sopas — como creme de amêndoas ou sopa de lentilhas — muito apreciadas numa época em que colheres de marfim, alabastro ou bronze eram sinal de estatuto. Estas refeições duravam horas, não apenas por prazer, mas também por necessidade prática: os animais eram abatidos apenas após a chegada dos convidados. O ganso, prato nacional egípcio, surgia frequentemente à mesa, acompanhado por cabrito, gazela, codorniz, pato e diversos peixes do Nilo. Curiosamente, a carne de cordeiro quase não era consumida, pois a lã era demasiado valiosa. As mesas — individuais e redondas — estavam cobertas de fruta fresca, inúmeros pães e doces elaborados. O pão assumia formas simbólicas: espirais, animais reclinados, figuras moldadas. Pinturas murais em Tebas mostram todo o processo de panificação, desde amassar com os pés até aos enormes fornos de lama do Nilo.
O fim do luxo e o despertar da consciência Moisés passou quarenta anos neste mundo de abundância. É humano supor que o tenha apreciado. Contudo, algo se rompeu quando tomou consciência da opressão sobre o seu próprio povo. O episódio em que mata um egípcio para defender um hebreu marca uma rutura definitiva. “Quando Moisés cresceu, saiu para junto dos seus irmãos e viu o trabalho forçado que eles sofriam…” (Êxodo 2:11-15) A fuga para o deserto de Madian não foi apenas geográfica — foi espiritual, social e alimentar.
Do banquete ao pão do pastor Em Madian, Moisés foi acolhido por Jetro, sacerdote local, casou com Séfora e tornou-se pastor. A sua dieta passou a ser simples, semelhante à de qualquer nómada: leite, queijo, pão rústico, leguminosas e ervas silvestres. Uma alimentação funcional, repetitiva, mas profundamente ligada à terra e ao ritmo natural. Foi neste contexto de silêncio e escassez que Deus lhe falou pela primeira vez, na sarça ardente, chamando-o para libertar Israel.
O deserto: memória da abundância e prova da fé Após o Êxodo, durante a longa peregrinação no deserto, o povo começou a idealizar a comida do Egito: “Lembramo-nos dos peixes que comíamos de graça no Egito, das abóboras, dos melões, dos alhos-porós, das cebolas e dos alhos.” (Números 11:5) O maná, descrito como “semente branca de coentro com sabor a pão com mel” (Êxodo 16:31), tornou-se símbolo dessa dependência diária. Até hoje, botânicos e historiadores procuram explicações naturais para este fenómeno. Uma teoria antiga associa-o às secreções de insetos nas tamargueiras do Sinai, ainda existentes na região. Mais do que a sua origem, o maná ensina uma verdade essencial: alimentar-se é confiar.
Água no deserto, promessa no horizonte A fome foi acompanhada pela sede. No deserto de Zin, a queixa foi clara: não havia figueiras, vinhas, romãs nem água. O episódio da água que jorra da rocha, em Cades, transformou um lugar árido num oásis vivo, ainda hoje visível em Cades-Barneia. Mas Moisés, após quarenta anos de liderança, recebeu uma das mensagens mais duras: não entraria na Terra Prometida. Ainda assim, proclamou ao povo a abundância que os esperava: “Terra onde crescem trigo e cevada, videiras, figueiras e romãs; terra de oliveiras e mel…” (Deuteronómio 8:7-9)
Uma herança que atravessa o tempo A história de Moisés é também a história da humanidade: da abundância à escassez, da dependência ao agradecimento, do excesso ao essencial. Numa realidade portuguesa onde o pão, o azeite, o vinho e a água continuam a ser símbolos centrais, esta narrativa convida a olhar a comida não apenas como consumo, mas como memória, identidade e promessa. Porque, tal como no deserto, nem sempre a abundância é sinal de plenitude — e nem sempre a simplicidade é pobreza. myfoodstreet.pt 2025



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